O Gato que Andava Sozinho

Resumo

Na época em que todos os animais eram selvagens, o Gato era o mais independente, andando sozinho e considerando todos os lugares iguais. Enquanto os outros animais se deixaram domesticar pela Mulher com promessas de comida e abrigo, o Gato recusou submeter-se, mas fez um acordo especial: poderia entrar na caverna, sentar-se ao lado do fogo e beber leite se conseguisse três elogios dela. Com astúcia, ele encantou o bebê da Mulher, foi elogiado e garantiu seu lugar — mas manteve sua independência. Até hoje, cumpre sua parte domesticada, mas continua sendo o Gato que anda sozinho.

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Escuta e atende e ouve, pois isso aconteceu e se deu e se fez e foi, ó Meu Amado, no tempo em que os Animais Domesticados eram selvagens. O Cão era selvagem, o Cavalo era selvagem, a Vaca era selvagem, a Ovelha era selvagem e o Porco era selvagem — selvagens como só os selvagens sabem ser — e andavam pelas Florestas Úmidas e Selvagens por suas contas selvagens.

Mas o mais selvagem de todos os animais selvagens era o Gato. Ele andava sozinho, e todos os lugares eram iguais para ele.

Claro que o Homem também era selvagem. Era terrivelmente selvagem. Nem sequer começara a ser domesticado até encontrar a Mulher, e ela lhe disse que não gostava de viver daquele jeito selvagem. Ela escolheu uma Caverna bem seca, em vez de um monte de folhas molhadas pra deitar; espalhou areia limpa no chão; acendeu uma fogueira de lenha no fundo da Caverna; pendurou uma pele seca de cavalo-selvagem, com o rabo pra baixo, na entrada da Caverna; e disse:

— Limpa os pés, querido, quando entrar, e agora vamos fazer nosso lar.

Naquela noite, Meu Amado, eles comeram carne de ovelha-selvagem assada em pedras quentes, temperada com alho-selvagem e pimenta-selvagem; pato-selvagem recheado com arroz-selvagem e feno-grego-selvagem e coentro-selvagem; tutano de boi-selvagem; cerejas-selvagens e grenadillas-selvagens. Então o Homem dormiu diante do fogo, muito contente; mas a Mulher ficou acordada, penteando os cabelos. Pegou o osso do ombro da ovelha—aquele osso gordo e largo—olhou as marcas maravilhosas nele, jogou mais lenha no fogo, e fez uma Magia.

Ela fez a Primeira Magia Cantada do mundo.

Lá fora, nas Florestas Úmidas e Selvagens, todos os animais selvagens se reuniram onde podiam ver a luz do fogo de muito longe, e ficaram curiosos com o que aquilo queria dizer.

Então o Cavalo-Selvagem bateu com seu casco selvagem e disse:

— Ó meus Amigos e ó meus Inimigos, por que o Homem e a Mulher fizeram aquela grande luz naquela grande Caverna, e que mal isso nos trará?

O Cão-Selvagem levantou o focinho e farejou o cheiro de carne de ovelha assada, e disse:

— Vou lá ver e olhar, e contar; pois acho que é coisa boa. Gato, vem comigo.

— Não! — disse o Gato. — Eu sou o Gato que anda sozinho, e todos os lugares são iguais para mim. Não vou.

— Então nunca mais poderemos ser amigos — disse o Cão-Selvagem, e trotou em direção à Caverna.

Mas quando ele se afastou um pouco, o Gato disse pra si mesmo:

— Todos os lugares são iguais para mim. Por que não ir também, ver, olhar e ir embora quando eu quiser?

E foi atrás do Cão-Selvagem, de mansinho, bem de mansinho, e se escondeu num lugar onde podia ouvir tudo.

Quando o Cão-Selvagem chegou à boca da Caverna, levantou a pele de cavalo com o focinho e farejou aquele cheiro maravilhoso de carne assada. A Mulher, que olhava o osso largo, ouviu e riu, e disse:

— Lá vem o primeiro. Coisa Selvagem das Florestas Selvagens, o que você quer?

O Cão-Selvagem disse:

— Ó minha Inimiga e Esposa do meu Inimigo, o que é isso que cheira tão bem nas Florestas Selvagens?

Então a Mulher pegou um osso assado de carneiro e jogou para o Cão-Selvagem, dizendo:

— Coisa Selvagem das Florestas Selvagens, prove e experimente.

O Cão-Selvagem roeu o osso, e era mais delicioso do que qualquer coisa que ele já tivesse provado. E disse:

— Ó minha Inimiga e Esposa do meu Inimigo, me dá mais um!

A Mulher disse:

— Coisa Selvagem das Florestas Selvagens, ajude meu Homem a caçar de dia e guarda esta Caverna à noite, e eu te darei tantos ossos assados quanto quiseres.

— Ah! — disse o Gato, ouvindo. — Essa é uma Mulher muito sábia, mas não tão sábia quanto eu.

O Cão-Selvagem rastejou para dentro da Caverna, pôs a cabeça no colo da Mulher, e disse:

— Ó minha Amiga e Esposa do meu Amigo, ajudarei teu Homem a caçar de dia e guardarei tua Caverna à noite.

— Ah! — disse o Gato, ouvindo. — Esse é um Cão muito tolo.

E voltou pelas Florestas Úmidas e Selvagens, abanando o rabo selvagem e andando sozinho, como sempre. Mas não contou nada a ninguém.

Quando o Homem acordou, disse:

— O que faz aqui o Cão-Selvagem?

E a Mulher respondeu:

— O nome dele não é mais Cão-Selvagem, mas Primeiro Amigo, porque será nosso amigo para sempre e sempre e sempre. Leve-o contigo na caça.

Na noite seguinte, a Mulher cortou grandes braços de capim fresco nos campos alagados, secou-o ao fogo até que cheirasse a feno novo, e se sentou na boca da Caverna para trançar uma corda de couro de cavalo. Olhou para o osso largo do ombro, e fez uma Magia.

Ela fez a Segunda Magia Cantada do mundo.

Lá nas Florestas Selvagens, todos os animais selvagens se perguntavam o que havia acontecido com o Cão-Selvagem. Por fim, o Cavalo-Selvagem bateu o casco e disse:

— Irei ver e contar por que o Cão-Selvagem não voltou. Gato, vem comigo.

— Não! — disse o Gato. — Eu sou o Gato que anda sozinho, e todos os lugares são iguais para mim. Não vou.

Mas, como antes, seguiu o Cavalo-Selvagem de mansinho, muito de mansinho, e se escondeu onde pudesse ouvir tudo.

Quando a Mulher ouviu o Cavalo-Selvagem tropeçando na crina comprida, riu e disse:

— Lá vem o segundo. Coisa Selvagem das Florestas Selvagens, o que você quer?

O Cavalo-Selvagem disse:

— Ó minha Inimiga e Esposa do meu Inimigo, onde está o Cão-Selvagem?

A Mulher riu, pegou o osso largo e disse:

— Coisa Selvagem das Florestas Selvagens, tu não vieste por causa do Cão, mas por causa deste bom capim.

E o Cavalo, tropeçando na própria crina, disse:

— É verdade. Dá-me pra comer.

A Mulher disse:

— Coisa Selvagem das Florestas Selvagens, abaixa tua cabeça selvagem e usa o que eu te der, e poderás comer o maravilhoso capim três vezes ao dia.

— Ah! — disse o Gato, ouvindo. — Essa é uma Mulher esperta, mas não tão esperta quanto eu.

O Cavalo-Selvagem abaixou a cabeça selvagem, e a Mulher passou a corda trançada. O Cavalo soprou nos pés da Mulher e disse:

— Ó minha Senhora e Esposa do meu Senhor, serei teu servo por causa do maravilhoso capim.

— Ah! — disse o Gato, ouvindo. — Esse é um Cavalo muito tolo.

E voltou pelas Florestas Úmidas e Selvagens, abanando o rabo selvagem e andando por sua conta. Mas não contou nada a ninguém.

Quando o Homem e o Cão voltaram da caçada, o Homem disse:

— O que faz aqui o Cavalo-Selvagem?

E a Mulher disse:

— O nome dele não é mais Cavalo-Selvagem, mas Primeiro Servo, porque nos carregará de um lugar a outro para sempre e sempre e sempre. Monte nele quando fores caçar.

No dia seguinte, com a cabeça bem erguida pra não enroscar os chifres nos galhos, veio a Vaca-Selvagem até a Caverna, e o Gato a seguiu e se escondeu como antes. E tudo aconteceu como antes. E o Gato disse as mesmas coisas de antes. E quando a Vaca prometeu dar leite à Mulher todos os dias em troca do maravilhoso capim, o Gato voltou pelas Florestas Úmidas e Selvagens abanando o rabo selvagem e andando por si só, como sempre. Mas não contou nada a ninguém.

E quando o Homem, o Cavalo e o Cão voltaram da caça e perguntaram o mesmo de antes, a Mulher disse:

— O nome dela não é mais Vaca-Selvagem, mas Doadora de Boa Comida. Ela nos dará o leite branco e morno para sempre e sempre e sempre, e eu cuidarei dela enquanto tu e o Primeiro Amigo e o Primeiro Servo vão caçar.

No dia seguinte, o Gato esperou ver se mais alguma Coisa Selvagem ia até a Caverna, mas ninguém se mexeu nas Florestas Úmidas e Selvagens.
Então o Gato foi por conta própria. Viu a Mulher ordenhando a Vaca, viu a luz do fogo na Caverna e sentiu o cheiro do leite branco e morno.

E o Gato disse:

— Ó minha Inimiga e Esposa do meu Inimigo, onde foi parar a Vaca-Selvagem?

A Mulher riu e disse:

— Coisa Selvagem das Florestas Selvagens, volta pras Florestas, pois já trancei meus cabelos, guardei o osso mágico, e não precisamos mais nem de amigos, nem de servos na nossa Caverna.

O Gato disse:

— Eu não sou amigo, e não sou servo. Eu sou o Gato que anda sozinho, e quero entrar na tua caverna.

A Mulher disse:

— Então por que não vieste com o Primeiro Amigo, na primeira noite?

O Gato ficou muito bravo e disse:

— O Cão-Selvagem contou histórias de mim?

Então a Mulher riu e disse:

— Você é o Gato que Anda por Si Mesmo, e todos os lugares são iguais para você. Você não é nem amigo, nem servo. Você mesmo disse isso. Vá embora e ande por si mesmo por todos os lugares que são iguais.

Então o Gato fingiu estar triste e disse:

— Será que nunca poderei entrar na Caverna? Nunca poderei me sentar perto do fogo quentinho? Nunca poderei beber o leite branco e morno? Você é muito sábia e muito bonita. Não deveria ser cruel nem mesmo com um Gato.

A Mulher disse:

— Eu sabia que era sábia, mas não sabia que era bonita. Então farei um trato com você. Se algum dia eu disser uma palavra de elogio a você, poderá entrar na Caverna.

— E se disser duas palavras de elogio? — perguntou o Gato.

— Nunca direi — disse a Mulher — mas se eu disser duas palavras de elogio, você poderá se sentar junto ao fogo na Caverna.

— E se disser três palavras? — perguntou o Gato.

— Nunca direi — disse a Mulher — mas se eu disser três palavras de elogio, você poderá beber o leite branco e morno três vezes por dia, para sempre e sempre e sempre.

Então o Gato arqueou as costas e disse:

— Que a Cortina na entrada da Caverna, e o Fogo ao fundo da Caverna, e os Potes de Leite que ficam ao lado do Fogo, lembrem-se do que minha Inimiga e a Esposa do meu Inimigo disseram.

E foi embora pela Floresta Úmida e Selvagem, balançando seu rabo selvagem e caminhando sozinho, em sua solidão selvagem.

Naquela noite, quando o Homem, o Cavalo e o Cão voltaram da caçada, a Mulher não lhes contou sobre o trato que havia feito com o Gato, porque tinha medo de que eles não gostassem.

O Gato foi para muito longe e se escondeu na Floresta Úmida e Selvagem, sozinho em sua solidão selvagem, por muito tempo, até que a Mulher se esqueceu completamente dele. Somente o Morcego — o pequeno Morcego de cabeça para baixo — que se pendurava dentro da Caverna, sabia onde o Gato se escondia; e todas as noites o Morcego voava até o Gato para contar as novidades.

Numa dessas noites, o Morcego disse:

— Há um Bebê na Caverna. Ele é novo, rosado, gorducho e pequeno, e a Mulher gosta muito dele.

— Ah — disse o Gato, ouvindo atentamente — mas do que o Bebê gosta?

— Ele gosta de coisas macias e que fazem cócegas — disse o Morcego. — Gosta de coisas quentinhas para abraçar quando vai dormir. Gosta de brincar. Gosta de todas essas coisas.

— Ah — disse o Gato, ouvindo — então minha hora chegou.

Na noite seguinte, o Gato caminhou pelas Florestas Úmidas e Selvagens e se escondeu bem perto da Caverna até o amanhecer, quando o Homem, o Cão e o Cavalo saíram para caçar. A Mulher estava ocupada cozinhando naquela manhã, e o Bebê chorava e atrapalhava tudo. Então ela o levou para fora da Caverna e lhe deu um punhado de pedrinhas para brincar. Mas ainda assim o Bebê chorava.

Então o Gato estendeu sua patinha fofa e deu um tapinha na bochecha do Bebê, e ele fez “agu”; e o Gato se esfregou nos joelhinhos gordinhos dele e fez cócegas de leve embaixo do queixo com o rabo. E o Bebê riu; e a Mulher ouviu e sorriu.

Então o Morcego — aquele morceguinho de cabeça pra baixo — que vivia pendurado na entrada da Caverna, disse:

— Ó minha Hospedeira e Esposa do meu Hospedeiro e Mãe do Filho do meu Hospedeiro, uma Coisa Selvagem da Floresta está lindamente brincando com seu Bebê.

— Uma bênção para essa Coisa Selvagem, seja ela quem for — disse a Mulher, endireitando as costas — pois eu estava ocupadíssima esta manhã, e ele me fez um favor.

Naquele exato instante, Meu Amado, a Cortina de couro de cavalo seco, que ficava esticada com o rabo para baixo na entrada da Caverna, caiu — fuuuush! — porque lembrou do acordo que ela havia feito com o Gato, e quando a Mulher se abaixou para pegá-la — veja só! — o Gato já estava sentado bem confortável dentro da Caverna.

— Ó minha Inimiga e Esposa do meu Inimigo e Mãe do meu Inimigo — disse o Gato — sou eu: pois você falou uma palavra em meu favor, e agora posso sentar dentro da Caverna para sempre e sempre e sempre. Mas ainda sou o Gato que anda sozinho, e todos os lugares me são iguais.

A Mulher ficou muito brava, apertou os lábios com força, pegou sua roca de fiar e começou a fiar. Mas o Bebê chorou porque o Gato tinha ido embora, e a Mulher não conseguiu acalmá-lo, pois ele se debatia, chutava e ficava roxinho de tanto esforço.

— Ó minha Inimiga e Esposa do meu Inimigo e Mãe do meu Inimigo — disse o Gato — pegue um fio do que está fiando, amarre no seu fuso de barro e arraste pelo chão, e eu lhe mostrarei uma magia que fará seu Bebê rir tão alto quanto está chorando agora.

— Vou fazer isso — disse a Mulher — porque já estou no limite; mas não vou lhe agradecer por isso.

Ela amarrou a linha no pequeno fuso de argila e a arrastou pelo chão, e o Gato correu atrás dela e a tocou com as patas, deu cambalhotas, jogou-a por cima do ombro e correu atrás entre as pernas traseiras, fingiu que a tinha perdido, e caiu em cima dela outra vez, até que o Bebê riu tão alto quanto havia chorado, e engatinhou atrás do Gato e brincou por toda a Caverna até se cansar e se acomodar para dormir com o Gato nos braços.

— Agora — disse o Gato — vou cantar para o Bebê uma canção que o manterá dormindo por uma hora.

E ele começou a ronronar, alto e baixo, baixo e alto, até que o Bebê caiu num sono profundo. A Mulher sorriu ao olhar para os dois e disse:

— Isso foi maravilhosamente feito. Sem dúvida você é muito esperto, ó Gato.

Naquele exato minuto e segundo, Meu Amado, a fumaça da fogueira no fundo da Caverna desceu em nuvens pelo teto — puff! — porque se lembrou do acordo que ela havia feito com o Gato, e quando se dissipou — eis que! — o Gato estava sentado confortavelmente junto ao fogo.

— Ó minha Inimiga e Esposa do meu Inimigo e Mãe do meu Inimigo — disse o Gato — sou eu, pois você falou uma segunda palavra em meu louvor, e agora posso me sentar ao lado da fogueira no fundo da Caverna para sempre e sempre e sempre. Mas ainda sou o Gato que caminha sozinho, e todos os lugares são iguais para mim.

Então a Mulher ficou muito, muito zangada, soltou os cabelos, colocou mais lenha na fogueira, trouxe a larga escápula do ombro do carneiro e começou a fazer uma Magia que a impediria de dizer uma terceira palavra de elogio ao Gato. Não era uma Magia Cantada, Meu Amado, era uma Magia Silenciosa; e pouco a pouco a Caverna ficou tão quieta que um ratinho muito, muito pequenino saiu de um canto e correu pelo chão.

— Ó minha Inimiga e Esposa do meu Inimigo e Mãe do meu Inimigo — disse o Gato — esse ratinho faz parte da sua magia?

— Ouh! Chi! De jeito nenhum! — disse a Mulher, e largou a escápula e pulou no banquinho em frente ao fogo e trançou o cabelo muito depressa com medo de que o rato subisse por ele.

— Ah — disse o Gato, observando — então o rato não me fará mal se eu o comer?

— Não — disse a Mulher, trançando o cabelo — coma logo e serei eternamente grata a você.

O Gato deu um salto e pegou o ratinho, e a Mulher disse:

— Mil agradecimentos. Nem mesmo o Primeiro Amigo é rápido o bastante para pegar ratinhos como você fez. Você deve ser muito sábio.

Naquele exato momento e segundo, ó Meu Amado, o Pote de Leite que estava junto ao fogo rachou-se em dois pedaços — fftt — porque se lembrou do acordo que ela havia feito com o Gato, e quando a Mulher desceu do banquinho — eis que! — o Gato estava lambendo o leite morno e branco que escorria de um dos pedaços quebrados.

— Ó minha Inimiga e Esposa do meu Inimigo e Mãe do meu Inimigo — disse o Gato — sou eu; pois você falou três palavras em meu louvor, e agora posso beber o leite morno e branco três vezes ao dia para sempre e sempre e sempre. Mas ainda sou o Gato que caminha sozinho, e todos os lugares são iguais para mim.

Então a Mulher riu e deu ao Gato uma tigela de leite morno e branco e disse:

— Ó Gato, você é tão esperto quanto um homem, mas lembre-se de que seu acordo não foi feito com o Homem nem com o Cão, e eu não sei o que eles farão quando chegarem em casa.

— E o que me importa isso? — disse o Gato. — Se tenho meu lugar na Caverna junto ao fogo e meu leite morno e branco três vezes ao dia, não me importo com o que o Homem ou o Cão possam fazer.

Naquela noite, quando o Homem e o Cão entraram na Caverna, a Mulher contou-lhes toda a história do acordo enquanto o Gato se sentava junto ao fogo e sorria. Então o Homem disse:

— Sim, mas ele não fez acordo comigo nem com os Homens de verdade que virão depois de mim.

Então ele tirou suas duas botas de couro, pegou seu pequeno machado de pedra, trouxe um pedaço de madeira e um machado maior, e os colocou em fila e disse:

— Agora faremos nosso acordo. Se você não caçar ratos enquanto estiver na Caverna, para sempre e sempre e sempre, eu jogarei estas cinco coisas em você toda vez que o vir, e assim farão todos os Homens de verdade depois de mim.

— Ah — disse a Mulher, ouvindo — este é um Gato muito esperto, mas não tão esperto quanto meu Homem.

O Gato contou as cinco coisas (e elas pareciam bem nodosas) e disse:

— Caçarei ratos enquanto estiver na Caverna, para sempre e sempre e sempre; mas ainda sou o Gato que caminha sozinho, e todos os lugares são iguais para mim.

— Não quando estou por perto — disse o Homem. — Se você não tivesse dito isso por último, eu teria guardado todas essas coisas para sempre e sempre e sempre; mas agora vou jogar minhas duas botas e meu pequeno machado de pedra em você sempre que o vir. E assim farão todos os Homens de verdade depois de mim!

Então o Cão disse:

— Um momento. Ele não fez acordo comigo nem com todos os Cães de verdade depois de mim.

E mostrou os dentes e disse:

— Se você não for gentil com o Bebê enquanto eu estiver na Caverna para sempre e sempre e sempre, eu o caçarei até pegá-lo, e quando o pegar, eu o morderei. E assim farão todos os Cães de verdade depois de mim.

— Ah — disse a Mulher, ouvindo — este é um Gato muito esperto, mas não tão esperto quanto o Cão.

O Gato contou os dentes do Cão (e eles pareciam bem pontudos) e disse:

— Serei gentil com o Bebê enquanto estiver na Caverna, contanto que ele não puxe muito o meu rabo, para sempre e sempre e sempre. Mas ainda sou o Gato que caminha sozinho, e todos os lugares são iguais para mim.

— Não quando estou por perto — disse o Cão. — Se você não tivesse dito isso por último, eu teria fechado minha boca para sempre e sempre e sempre; mas agora vou persegui-lo até uma árvore sempre que o vir. E assim farão todos os Cães de verdade depois de mim.

Então o Homem jogou suas duas botas e seu pequeno machado de pedra no Gato, e o Gato correu para fora da Caverna, e o Cão o perseguiu até uma árvore; e desde aquele dia até hoje, Meu Amado, três Homens de verdade em cada cinco sempre jogam coisas em um Gato quando o veem, e todos os Cães de verdade o perseguem até uma árvore.

Mas o Gato também cumpre seu lado do acordo. Ele mata ratos e é gentil com os Bebês quando está dentro de casa, contanto que eles não puxem muito seu rabo. Mas quando termina isso, e entre esses momentos, e quando a lua aparece e a noite chega, ele é o Gato que caminha sozinho, e todos os lugares são iguais para ele.
Então ele sai para as Florestas Úmidas e Selvagens ou sobe nas Árvores Úmidas e Selvagens ou pelos Telhados Úmidos e Selvagens, balançando seu rabo selvagem e caminhando em sua solidão selvagem.

A Gata podia sentar-se junto ao fogo e cantar, podia subir em árvores ou brincar com uma velha rolha amarrada num barbante, apenas para se divertir — nunca para agradar a ninguém. Mas eu gostava mesmo era de Binkie, o meu cachorro, porque ele sabia se comportar. Binkie era como o Primeiro Amigo, aquele de quem todos descendem, e eu era como o Homem na Caverna.

A Gata, quando queria, brincava de Sexta-Feira como no livro do Robinson Crusoé, mas bastava a hora de molhar a pata e deixar uma pegada na janela que ela já virava o rabo, miava alto, arranhava a porta e não prestava mais atenção em ninguém. Já Binkie, ele sempre aceitava brincar do que eu quisesse. Ele era o meu verdadeiro Primeiro Amigo.

A Gata vinha e roçava a cabeça no meu joelho, fingindo que me amava muito, mas bastava eu ir para a cama e ela escapulia para o quintal e lá ficava até o amanhecer. Eu sabia que era tudo fingimento. Mas Binkie, não — Binkie dormia roncando aos meus pés a noite toda. E era por isso que ele era o meu Primeiríssimo Amigo.