Num inverno rigoroso, muitas pessoas daquela terra adoeceram. As bochechas de Ma Monikazi queimavam. O suor escorria do seu corpo. Ela queria apertar a grama gelada contra o rosto para se refrescar. Debaixo de seu cobertor, ela segurava a barriga e cantava para o bebê dentro dela:
— Seja forte, pequenino. O inverno não dura muito. Seja corajoso, pequenino. Juntos, somos fortes!
Seu estômago roncava quando os chutes poderosos do bebê a acordavam à noite. Ela comia a carne que sobrava na panela, com fome de viver.
Numa noite clara, a lua estava maior, mais gorda e mais rosada do que nunca. Sua respiração ficou rápida. O bebê estava pronto. As tias na sala de parto esfregaram suas costas e aqueceram a água. Quando Monikazi segurou sua linda filha nos braços, soube que era uma menina especial, uma guerreira.
Uma bênção! Seu nome é Nontsikelelo. Ela será a mãe de todas as bênçãos.

Nontsikelelo era linda e forte, com olhinhos pretos como botões enrugadinhos. Ela adorava seu irmão mais velho, Mcengi. Ele a fazia rir, e então a risada se espalhava. Ela gostava de comer carne mesmo antes de ter dentes. Sua tia preferida sempre deixava um pedacinho separado no prato para Ntsiki. Mcengi corria atrás das galinhas que ciscavam no quintal, onde Ma Monikazi cultivava espinafre e abóbora para alimentar a família. Ntsiki corria atrás dele enquanto suas pernas ficavam fortes.
Ma Monikazi teve outro bebê menino, Velaphi, e depois mais um, Qudalele. Por fim, outra irmã: Nomyaleko. A pequena Ntsiki dobrava os panos e lavava as roupinhas dos bebês. Varriam a casa e alimentavam o fogo. Pegava o irmãozinho no colo quando ele chorava e o fazia cócegas até ele rir.
Ela os ensinava a cantar:
— Seja forte, pequenino. O inverno se foi. Seja corajoso, pequenina. Juntos, somos fortes!

Qingqiwe, seu avô, criava cavalos. Seu preferido era Shishi, uma égua negra brilhante. Assim que Ntsiki teve idade suficiente, ele a ergueu para a sela à sua frente. Seus braços fortes a envolveram. Ele passou as rédeas entre os dedos dela.
Ensinou-a a falar suavemente com Shishi, a escová-la com uma escova de cerdas duras. Quando acariciava o pelo brilhante, Albertina sussurrava:
— Você é a criatura mais linda. Obrigada por me deixar montar no seu lombo.
Seu pai, Bonilizwe, vinha das minas no Natal. Ntsiki subia sozinha nas costas largas de Shishi. Cavalgava até o ponto de ônibus para encontrá-lo. Ntsiki sentava-se ereta e firme. Os joelhos bem colocados. Segurava as rédeas com dedos leves.
Bonilizwe estava cheio de orgulho da filha. O maior sorriso que Ntsiki já vira tomou conta do rosto do pai.

No seu sexto aniversário, ela foi para a escola.
— Você precisa escolher um nome em inglês — disse a professora presbiteriana. Mas Ntsiki gostava de seu próprio nome.
— Por que preciso de um nome novo? — perguntou. A professora franziu o rosto e leu os nomes em voz alta:
— Adah, Agnes, Albertina, Anna.
O que significavam aqueles nomes? Ntsiki gostou mais do nome longo. Al-ber-ti-na! O nome tinha ritmo. Al-ber-ti-na! O nome tinha força. Albertina era um nome com o qual não se brincava.
Quando sua prima se casou com um homem bonito de uma cidade próxima, Albertina foi escolhida como umkhapi. A dama de honra! Semanas antes do casamento, ela costurou seu isikhakha, a saia tradicional curta, e enfiou miçangas coloridas nos seus amatikiti. Sua mãe lhe entregou a bandeira branca e disse:
— Você tem uma grande missão, minha bênção.
Na curva da estrada, Albertina acenou com a bandeira e então virou Shishi de volta, guiando todos da região até a cerimônia. As pessoas fofocariam se ela cometesse um erro, mas os convidados se alinhavam ao longo da estrada. Eles ululavam e cantavam. Jogavam flores para o cavalo e para a menina.

Sua mãe adoecia com frequência e precisava que Albertina cuidasse da casa. No último ano do ensino fundamental, Albertina era a aluna mais velha da escola. Foi escolhida como líder de turma e usava o distintivo com orgulho.
Sua melhor amiga, Betty, contou sobre um concurso:
— Você precisa se inscrever, minha amiga inteligente.
— Qual é o prêmio? — perguntou Albertina, curiosa.
— Uma bolsa para o ensino médio! — disse Betty. — Você precisa tentar. Com certeza vai ganhar.
Albertina estudou até a vela se apagar. Praticou contas. Praticou ortografia. Apontou os lápis e deu um brilho extra nos sapatos. Na manhã seguinte, passou por Shishi no pasto. A égua relinchou e bateu os cascos no chão.

A prova começou. Os dedos de Albertina tremiam. As contas estavam difíceis. Sua boca ficou seca. A mão doía de tanto segurar o lápis, mas ela continuou.
— Muito bem, Albertina! — disse sua professora no final. O oficial importante chegou e chamou os dois melhores alunos ao palco.
— Parabéns à Albertina pela nota máxima — ele disse — mas você é velha demais. A bolsa vai para…
Albertina tentou não chorar.
— Isso é injusto! — gritou Betty, pulando de raiva. — Isso não estava nas regras!
E agora? Como Albertina iria para o ensino médio? Arrastou os pés até em casa.
A professora escreveu para o jornal sobre a decisão injusta. O irmão Joe, da missão católica, leu a história enquanto tomava café da manhã. Quebrou o ovo cozido com mais força. Empurrou o jornal pela mesa até o padre Bernard. Ele também não gostou nada da história.

Logo surgiu uma bolsa para Albertina. Mariazell, perto de Matatiele, era longe de Xolobe, mas a vila inteira explodiu de alegria. A menina da terra ia para o ensino médio. Ela os encheria de orgulho. Fizeram uma festa como nunca. As mulheres prepararam cerveja de sorgo e acenderam as fogueiras. Abateram galinhas e mexeram panelas cheias de carne. Albertina sorriu até o rosto doer.
Ela arrumou a mala marrom e lustrava os sapatos mais uma vez. Antes de partir de ônibus para Matatiele, despediu-se de Shishi. Albertina escovou seu pelo e alisou sua crina áspera. Sussurrou todas as suas dúvidas no ouvido macio da égua:
— E se eu me perder? Será que farei novas amizades? Continuarei inteligente, tão longe de casa?
Shishi relinchou e bateu os cascos no chão.

Os dias de aula começavam bem antes do nascer do sol. As meninas se lavavam rapidamente na água fria e varriam os dormitórios antes da missa. O mingau ralo nunca era o bastante; o ensopado não era tão saboroso quanto o da Tia, lá de casa. Mas Albertina estudava com afinco. Jogava netball nas tardes ensolaradas.
Durante as férias escolares, Albertina trabalhava na missão. Esfregava roupas no tanque de zinco. Ferveria lençóis em tinas de cobre, depois os torcia no espremedor. Capinava e cavava a horta da escola, mas sentia falta de sua família. Quem estaria contando histórias engraçadas para seus irmãos e irmãs? Quem enxugava suas lágrimas quando choravam? Quem fazia cócegas até eles rirem?
Albertina amava as freiras que a ensinavam. Será que ela poderia se tornar uma irmã religiosa?
— Mas freiras não recebem salário — disse o Padre Bernard. — Talvez você devesse se tornar enfermeira? Você será paga enquanto estuda.

Albertina pegou um trem para Joanesburgo. Comprou um uniforme branco elegante, sapatos azul-marinho novos e uma caneta-tinteiro vermelha brilhante. Pessoas doentes chegavam ao hospital o dia inteiro. Ela limpava seus ferimentos com dedos cuidadosos. Segurava os idosos com delicadeza. Quando os bebês choravam, ela cantava:
— Seja forte, pequenino. O inverno não dura. Seja corajoso, pequenino. Juntos, somos fortes!
Algumas noites, Albertina trabalhava até o amanhecer. Olhava pela janela e pensava em sua família. Será que as crianças estavam com fome? Estavam indo à escola? Quem montava Shishi? Lembrava-se do espinafre verde-escuro. Sentia falta do cheiro da terra. Ali não havia horta. Ali não havia espaço para cavalos.
Albertina nunca ia a festas. Economizava cada xelim. Nos dias de folga, aprendeu a jogar tênis. Whoosh! Ploc! Ela mandava a bola de um lado ao outro da rede. Sempre desejava ter um pouco mais de dinheiro para enviar para casa.

Walter Sisulu era um homem corajoso e inteligente, que sonhava com a liberdade para a África do Sul. Seu grande sorriso chamou a atenção de Albertina. Eles caminhavam juntos pelas ruas da cidade. Sua mão delicada descansava sobre o braço dele. Walter queria que Albertina fosse mãe de seus filhos.
Fitas coloridas enfeitavam o Centro Social dos Homens Bantu no dia do casamento. O vestido de mangas compridas de Albertina tinha uma cauda de renda que esvoaçava. Muitos amigos abençoaram aquele dia especial. Albertina plantou flores em seu pequeno jardim. Dentro de um ano, nasceu Max. Albertina havia se tornado mãe. Um dia, o povo a chamaria de Mãe da Nação.
Max tinha os olhinhos pretos de botão da mãe e o queixo redondo do pai. Ele era a esperança do futuro. Albertina queria lutar por uma nova África do Sul, para que Max pudesse ser livre. Quando ele chorava, ela cantava:
— Seja forte, pequenino. O inverno não dura. Seja corajoso, pequenino. Juntos, somos fortes!

A polícia veio no meio da noite, batendo à porta. Albertina ralhou com os homens que reviraram sua casa.
— Quanta grosseria! — disse ela. — Pisando com lama dentro do meu lar.
De manhã, as flores preferidas de Albertina estavam esmagadas sob as pegadas dos policiais. Ela se lembrou das galinhas que espantava da horta em Xolobe e começou a replantar seu jardim. A terra, ela sabia, sempre se recupera.
Ela apoiaria seu marido, que guardava muitos segredos e se escondia da polícia.

Juntou-se às mulheres para organizar uma marcha até Pretória. As mulheres se recusaram a portar o passe obrigatório. Elas cantaram:
— Wathint’ abafazi; wathint’ imbokodo! Bateu numa mulher, bateu numa rocha!
Vieram anos difíceis após a prisão de Walter. Ele foi encarcerado por 26 anos na Ilha Robben. Albertina também foi presa muitas vezes. Muitas vezes teve medo. Muitas vezes se sentiu só.
Mas, mesmo nas noites mais escuras, ela podia ver uma fatia de lua pela janelinha da cela. E cantava a mesma canção que Ma Monikazi cantava antes de ela nascer:
— Seja forte, pequenino. O inverno não dura. Seja corajoso, pequenino. Juntos, somos fortes!

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Publicado originalmente por Book Dash sob a licença Creative Commons Licensed BY 4.0. Este livro pode ser lido gratuitamente em https://bookdash.org/books/together-were-strong e foi criado por: Nazli Jacobs (Designer), Liesl Jobson (Writer), Alice Toich (Illustrator)