- Capítulo 1: O Nascimento de Tung Tung Tung Sahur
- Capítulo 2: Tung Tung Tung Sahur Foge de Casa
- Capítulo 3: Tung Tung Tung Sahur Volta Desesperado para Casa
- Capítulo 4: Mestre Noxa Alimenta Tung Tung Tung Sahur
- Capítulo 5: Tung Tung Tung Sahur Promete Se Comportar
- Capítulo 6: Tung Tung Tung Sahur Vende Seu Livro
- Capítulo 7: Tung Tung Tung Sahur Se Mete em Confusão
- Capítulo 8: Tung Tung Tung Sahur Salva a Bailarina Cappuccina
- Capítulo 9: Tung Tung Tung Sahur Fica Rico
- Capítulo 10: Tung Tung Tung Sahur Leva Um Fora
- Capítulo 11: Tung Tung Tung Sahur É Pego por Ladrões
- Capítulo 12: Tung Tung Tung Sahur É Resgatado
- Capítulo 13: Tung Tung Tung Sahur Foge Envergonhado
- Capítulo 14: Tung Tung Tung Sahur Reencontra Seus Amigos Queridos
- Capítulo 15: Tung Tung Tung Sahur Vai Parar na Prisão
- Capítulo 16: Tung Tung Tung Sahur É Solto e Preso de Novo
- Capítulo 17: Tung Tung Tung Sahur Vira Cachorro de Guarda
- Capítulo 18: Tung Tung Tung Sahur Ajuda Um Fazendeiro
- Capítulo 19: O Pai de Tung Tung Tung Sahur Está em Perigo no Mar
- Capítulo 20: Tung Tung Tung Sahur Fica Preso Numa Ilha
- Capítulo 21: Tung Tung Tung Sahur Promete Se Comportar
- Capítulo 22: Tung Tung Tung Sahur Vai Ver o Tubarão
- Capítulo 23: Tung Tung Tung Sahur Arruma Briga
- Capítulo 24: Tung Tung Tung Sahur É Pego Numa Rede
- Capítulo 25: Tung Tung Tung Sahur Volta Para Ver a Fada
- Capítulo 26: Tung Tung Tung Sahur É Tentado
- Capítulo 27: Tung Tung Tung Sahur Vai Para a Terra dos Brinquedos
- Capítulo 28: Tung Tung Tung Sahur Vira Um Burro
- Capítulo 29: Tung Tung Tung Sahur Entra Para o Circo
- Capítulo 30: Tung Tung Tung Sahur É Engolido por Tralalero Tralala
- Capítulo 31: Tung Tung Tung Sahur e Mestre Noxa Escapam
- Capítulo 32: Tung Tung Tung Sahur Vira Um Menino de Verdade
Capítulo 1: O Nascimento de Tung Tung Tung Sahur
Era uma vez um pedaço de madeira. Não era um pedaço de madeira caro. Longe disso. Apenas um bloco comum de lenha, daqueles troncos grossos e sólidos que se colocam no fogo no inverno para tornar aconchegantes e quentinhos os cômodos frios.
Não sei bem como isso realmente aconteceu, mas o fato é que, num belo dia, esse pedaço de madeira foi parar na loja de um velho carpinteiro. Seu nome verdadeiro ninguém sabia, mas todos o chamavam de Mestre Noxa.
Assim que viu aquele pedaço de madeira, Mestre Noxa encheu-se de alegria. Esfregando as mãos contente, murmurou meio para si:
— Chegou na hora certa. Vou usá-lo para fazer a perna de uma mesa.
Agarrou rapidamente o machado para descascar a madeira e moldá-la. Mas, quando estava prestes a dar o primeiro golpe, parou com o braço erguido, pois ouviu uma vozinha fina e aguda que disse:
— Tung! Tung! Tung! Por favor, tenha cuidado… Não me bata com tanta força!
Que expressão de surpresa surgiu no rosto de Mestre Noxa!
Ele olhou assustado ao redor da sala, tentando descobrir de onde vinha aquela voz pequena, e não viu ninguém! Olhou debaixo do banco — ninguém! Espiou dentro do armário — ninguém! Vasculhou entre as aparas — ninguém! Abriu a porta e olhou para cima e para baixo na rua — e ainda assim, ninguém!
— Ah, entendi! — disse ele então, rindo e coçando a peruca. — Dá pra ver que só imaginei ter ouvido a vozinha dizer aquelas palavras! Muito bem, mãos à obra de novo.
Desferiu um golpe solene sobre o pedaço de madeira.
— Tung! Tung! Tung! Ai, você machucou! — gritou a mesma voz distante e pequenina.
Mestre Noxa ficou mudo, os olhos saltaram das órbitas, a boca escancarou e a língua caiu no queixo.
Assim que conseguiu voltar a si, disse, tremendo e gaguejando de medo:
— De onde veio essa voz, se não há ninguém por perto? Será que esse pedaço de madeira aprendeu a chorar como uma criança? Mal posso acreditar. Aqui está — um pedaço comum de lenha, bom apenas para queimar no fogão, igual a qualquer outro. Mas será que alguém está escondido dentro dele? Se estiver, pior para ele. Vou dar um jeito nisso!
Dizendo isso, agarrou o tronco com as duas mãos e começou a sacudi-lo com violência. Atirou-o ao chão, contra as paredes da sala e até contra o teto.
Ouviu para ver se a vozinha gemia ou chorava. Esperou dois minutos — nada; cinco minutos — nada; dez minutos — nada.
— Ah, entendi — disse ele, tentando rir com coragem e bagunçando com a mão. — Dá pra ver que só imaginei ter ouvido a vozinha! Muito bem, mãos à obra de novo!
O pobre homem estava apavorado, então tentou cantar uma canção alegre para criar coragem.
Trocou o machado pela plaina e começou a deslizá-la sobre o tronco — para frente e para trás, suave e contínuo — quando, de repente, a vozinha deu uma risadinha e disse:
— Tung! Tung! Tung! Pare com isso! Ah, pare com isso! Ha, ha, ha! Isso faz cócegas na minha barriga.

Dessa vez, o pobre Mestre Noxa caiu como se tivesse sido baleado. Quando abriu os olhos, viu-se sentado no chão.
Seu rosto havia mudado; o medo fez até a ponta do nariz passar do vermelho ao roxo mais profundo.
Assim que se recuperou do susto, Mestre Noxa pegou suas ferramentas e começou a cortar e moldar a madeira até transformá-la numa criatura de madeira.
— Como vou chamá-lo? — disse para si mesmo. — Acho que vou chamá-lo de SAHUR. Tung Tung Tung Sahur. Esse nome vai trazer sorte. Conheci uma família inteira chamada Sahur uma vez, e todos eram sortudos.
Capítulo 2: Tung Tung Tung Sahur Foge
Depois de escolher o nome, Mestre Noxa pôs-se seriamente a trabalhar para esculpir as bochechas, a testa, os olhos. Imagine sua surpresa ao notar que aqueles olhos se mexeram e depois o encararam fixamente. Mestre Noxa, vendo isso, sentiu-se ofendido e disse num tom magoado:
— Olhos feios de madeira, por que me encaram assim?
Não houve resposta.
Em seguida, fez a boca.
Mal havia terminado, ela começou a rir e zombar dele.
— Pare de rir! — disse Mestre Noxa, irritado; mas era como falar com a parede.
— Pare de rir, eu disse! — rugiu, com voz de trovão.
A boca parou de rir, mas pôs a língua comprida para fora.
Sem querer começar uma discussão, Mestre Noxa fingiu que não viu nada e continuou seu trabalho. Depois da boca, fez o queixo, os ombros, o estômago, os braços e as mãos.
Quando estava prestes a dar os últimos retoques nas pontas dos dedos, Mestre Noxa sentiu que sua peruca¹ estava sendo arrancada. Olhou para cima e o que viu? Sua peruca amarela estava na mão da criatura de madeira.
— Tung Tung Tung Sahur, devolva minha peruca!
Com essa travessura inesperada, Mestre Noxa ficou muito triste e abatido, mais do que jamais estivera antes.
— Tung Tung Tung Sahur, menino malcriado! — gritou. — Você nem está pronto ainda, e já começa sendo insolente com seu pobre pai velho. Muito feio, meu filho, muito feio!
E enxugou uma lágrima.
As pernas e os pés ainda precisavam ser feitos. Assim que ficaram prontos, Mestre Noxa sentiu um chute forte bem na ponta do nariz.
— Eu mereci! — disse para si mesmo. — Devia ter pensado nisso antes de fazê-lo. Agora é tarde demais!
Segurou a criatura de madeira por debaixo dos braços e a colocou no chão para ensinar a andar.
As pernas de Tung Tung Tung Sahur estavam tão rígidas que ele não conseguia movê-las, e Mestre Noxa segurou sua mão e mostrou como colocar um pé na frente do outro.
Quando suas pernas se soltaram, Tung Tung Tung Sahur começou a andar sozinho e saiu correndo por todo o cômodo. Chegou até a porta aberta e, com um salto, estava na rua. Saiu disparado!

O pobre Mestre Noxa correu atrás dele, mas não conseguiu alcançá-lo, pois Tung Tung Tung Sahur corria aos pulos, e seus dois pés de madeira, ao baterem nas pedras da rua, faziam tanto barulho quanto vinte pessoas de tamancos.
— Peguem-no! Peguem-no! — Mestre Noxa gritava sem parar. Mas as pessoas na rua, ao verem uma criatura de madeira correndo como o vento, ficavam paradas, olhando e rindo até chorarem.
Capítulo 3: Tung Tung Tung Sahur Volta Desesperadamente para Casa
Tung Tung Tung Sahur, agora livre das garras de seu pai, corria descontrolado por campos e prados. Em sua fuga desenfreada, saltava sobre arbustos e moitas, riachos e lagoas, como se fosse um bode ou uma lebre perseguida por cães.
À medida que o céu escurecia, sua barriga de madeira começou a parecer oca, lembrando-lhe que ainda não havia comido nada. O apetite de um menino cresce muito rápido, e em poucos instantes a sensação de vazio virou fome — e a fome cresceu, cresceu, até que logo ele estava faminto como um urso.
Saiu correndo em busca de um pedaço de pão, por mais duro que fosse, ou talvez um pedacinho de peixe. Até um osso deixado por um cachorro teria lhe parecido apetitoso! Mas não encontrou nada.
Enquanto isso, sua fome só aumentava. O único alívio que o pobre Tung Tung Tung Sahur encontrava era bocejar — e, de fato, ele bocejou tanto que sua boca se esticou até as pontas das orelhas. Logo ficou tonto e fraco. Chorando e se lamentando, disse para si mesmo:
— Foi errado desobedecer ao Papai e fugir de casa. Se ele estivesse aqui agora, eu não estaria com tanta fome! Ah, como é horrível estar com fome!
E como seu estômago roncava cada vez mais alto, e ele não tinha nada com que silenciá-lo, pensou em dar uma volta até a vila próxima, na esperança de encontrar alguma pessoa caridosa que lhe desse um pedacinho de pão.
A noite estava negra como breu. Trovões ribombavam, e relâmpagos brilhantes cortavam o céu de tempos em tempos, transformando-o num mar de fogo. Um vento furioso soprava frio, levantando nuvens densas de poeira, enquanto as árvores se agitavam e gemiam de forma assustadora.
Tung Tung Tung Sahur tinha muito medo de trovões e relâmpagos, mas a fome que sentia era muito maior do que o medo. Com uma dúzia de saltos e corridas, chegou à vila, exausto, bufando como uma baleia, com a língua para fora.
Toda a vila estava escura e deserta. As lojas estavam fechadas, as portas, as janelas. Nas ruas, nem mesmo um cachorro podia ser visto. Parecia a Vila dos Mortos.
Tung Tung Tung Sahur, em desespero, correu até uma porta, jogou-se contra a campainha e puxou-a com força, dizendo para si mesmo:
— Alguém com certeza vai atender!
E tinha razão. Um velhinho de touca de dormir abriu a janela e olhou para fora. Chamou lá de cima, irritado:
— O que você quer a essa hora da noite?
— O senhor poderia me dar um pedacinho de pão? Estou com fome.
— Espere um minuto que já volto — respondeu o velho, achando que se tratava de um desses meninos que gostam de vagar à noite, tocando a campainha das pessoas enquanto elas dormem tranquilamente.
Depois de um ou dois minutos, a mesma voz gritou:
— Fique debaixo da janela e estenda o chapéu!
Tung Tung Tung Sahur não tinha chapéu, mas conseguiu ficar bem debaixo da janela, bem a tempo de sentir uma ducha de água gelada cair sobre sua pobre cabeça de madeira, seus ombros e todo o corpo.

Voltou para casa ensopado como um trapo, esgotado pelo cansaço e pela fome.
Como já não tinha forças para ficar de pé, sentou-se num banquinho e colocou os dois pés no fogão para secá-los.
Ali adormeceu, e, enquanto dormia, seus pés de madeira começaram a queimar. Devagar, bem devagar, foram ficando negros… até virarem cinzas.
Capítulo 4: Mestre Noxa Alimenta Tung Tung Tung Sahur
A pobre criatura de madeira, que ainda estava meio adormecida, ainda não havia descoberto que seus dois pés haviam queimado e desaparecido, e acordou ao som da voz de seu pai. Mestre Noxa, que estava furioso com Tung Tung Tung Sahur por ter fugido, se comoveu ao ver como ele parecia miserável e faminto. Enfiou a mão no bolso, tirou três peras e as ofereceu, dizendo:
— Estas três peras eram para meu café da manhã, mas dou a você de bom grado. Coma e pare de chorar.
— Se o senhor quer que eu coma, por favor, descasque-as para mim.
— Descascar? — perguntou Mestre Noxa, muito surpreso. — Nunca teria imaginado, meu querido menino, que você fosse tão exigente e fresco com comida. Feio, muito feio! Neste mundo, mesmo quando crianças, devemos nos acostumar a comer de tudo, pois nunca sabemos o que a vida nos reserva!

— O senhor pode ter razão — respondeu Tung Tung Tung Sahur —, mas não vou comer as peras se não estiverem descascadas. Não gosto.
E o bom e velho Mestre Noxa pegou uma faca, descascou as três peras e colocou as cascas enfileiradas sobre a mesa.
Tung Tung Tung Sahur comeu uma pera num piscar de olhos e já ia jogar o caroço fora, mas Mestre Noxa segurou seu braço.
— Ora, ora, não jogue fora! Tudo neste mundo pode ter alguma utilidade!
— Mas o caroço eu não vou comer! — gritou Tung Tung Tung Sahur com raiva.
— Quem sabe? — repetiu Mestre Noxa com calma.
E mais tarde, os três caroços foram colocados sobre a mesa ao lado das cascas.
Tung Tung Tung Sahur havia comido as três peras — ou melhor, devorado. Então bocejou profundamente e se lamentou:
— Ainda estou com fome.
— Mas não tenho mais nada para lhe dar.
— Sério, nada — nada mesmo?
— Só tenho estes três caroços e estas cascas.
— Muito bem, então — disse Tung Tung Tung Sahur —, se não tem mais nada, vou comê-los.
No começo, fez uma careta, mas, um por um, as cascas e os caroços desapareceram.
— Ah! Agora me sinto ótimo! — disse, depois de comer o último.
— Viu só — observou Mestre Noxa — como eu tinha razão ao dizer que não devemos ser tão exigentes e frescos com comida? Meu querido, nunca sabemos o que a vida nos reserva!
Capítulo 5: Tung Tung Tung Sahur Promete Ser Bom
A criatura de madeira, assim que teve sua fome saciada, começou a resmungar e chorar, dizendo que queria um novo par de pés.
Mas Mestre Noxa, para puni-lo por suas travessuras, deixou-o de lado a manhã inteira. Após o almoço, disse-lhe:
— Por que eu deveria fazer seus pés de novo? Para ver você fugir de casa outra vez?
— Eu prometo — respondeu a criatura de madeira, soluçando — que, de agora em diante, serei bom.
— Os meninos sempre prometem isso quando querem alguma coisa — disse Mestre Noxa.
— Eu prometo ir à escola todos os dias, estudar e ser bem-sucedido.
— Os meninos sempre cantam essa música quando querem impor a própria vontade.
— Mas eu não sou como os outros meninos! Sou melhor do que todos eles e sempre digo a verdade. Prometo ao senhor, Papai, que vou aprender um ofício e serei o consolo e o apoio da sua velhice.
Mestre Noxa, embora tentasse manter uma expressão severa, sentiu os olhos se encherem de lágrimas e o coração amolecer ao ver Tung Tung Tung Sahur tão infeliz. Não disse mais nada, apenas pegou suas ferramentas e dois pedaços de madeira, e pôs-se a trabalhar com afinco.
Em menos de uma hora, os pés estavam prontos — dois pezinhos esbeltos, ágeis, firmes e rápidos, modelados como por mãos de artista.
— Feche os olhos e durma! — disse então Mestre Noxa à criatura de madeira.
Tung Tung Tung Sahur fechou os olhos e fingiu estar dormindo, enquanto Mestre Noxa colava os dois pés com um pouco de cola derretida numa casca de ovo, fazendo o trabalho com tanto capricho que mal se via a junção.
Assim que a criatura de madeira sentiu os pés novos, deu um salto da mesa e começou a pular e saltitar pela sala, como se tivesse enlouquecido de tanta alegria.
— Para mostrar o quanto sou grato ao senhor, Papai, vou à escola agora. Mas para ir à escola, preciso de uma roupa.
Mestre Noxa não tinha um tostão no bolso, então fez para o filho um terninho de papel florido, um par de sapatos com casca de árvore e um pequeno gorro com um pedaço de massa de pão.
Tung Tung Tung Sahur correu para se olhar numa tigela com água, e ficou tão feliz que disse, orgulhoso:
— Agora pareço um cavalheiro.
— De fato — respondeu Mestre Noxa. — Mas lembre-se de que roupas bonitas não fazem o homem, a menos que estejam limpas e bem cuidadas.
— Muito verdade — respondeu Tung Tung Tung Sahur —, mas, para ir à escola, ainda preciso de algo muito importante.
— O que é?
— Um livro de A-B-C.
— É claro! Mas como vamos consegui-lo?
— Fácil. Vamos até uma livraria e compramos um.
— E o dinheiro?
— Eu não tenho.
— Nem eu — disse o velho, tristemente.
Tung Tung Tung Sahur, embora fosse um menino alegre por natureza, ficou triste e cabisbaixo ao ouvir essas palavras. Quando a pobreza se revela, até os meninos travessos entendem o que ela significa.
— Mas que importa, afinal? — exclamou de repente Mestre Noxa, levantando-se da cadeira. Vestindo seu velho casaco, cheio de remendos e costuras, saiu correndo de casa sem dizer mais nada.
Depois de um tempo, voltou. Nas mãos, trazia o livro de A-B-C para o filho — mas o velho casaco havia sumido. O pobre homem estava de mangas de camisa, e o dia estava frio.

— Onde está seu casaco, Papai?
— Eu o vendi.
— Por que vendeu o casaco?
— Estava quente demais.
Tung Tung Tung Sahur entendeu a resposta num piscar de olhos e, sem conseguir conter as lágrimas, pulou no pescoço do pai e o cobriu de beijos.
Capítulo 6: Tung Tung Tung Sahur Vende Seu Livro
Veja Tung Tung Tung Sahur apressando-se para a escola com seu novo livro de A-B-C debaixo do braço! Enquanto caminhava, sua mente estava ocupada planejando centenas de coisas maravilhosas, construindo centenas de castelos no ar. Falando consigo mesmo, dizia:
— Hoje, na escola, vou aprender a ler, amanhã a escrever, e depois de amanhã a fazer contas. Depois, sendo esperto como sou, posso ganhar muito dinheiro. Com as primeiras moedinhas que eu ganhar, vou comprar para Papai um casaco novo de tecido. Tecido? Não! Será de ouro e prata com botões de diamante. Aquele pobre homem merece isso; afinal, não está ele só de camisa porque foi bom o suficiente para comprar um livro pra mim? E num dia frio como este! Pais são mesmo bons para seus filhos!
Enquanto falava consigo, achou que ouvia sons de flautas e tambores vindo de longe: pi-pi-pi, pi-pi-pi… zum, zum, zum, zum.
Parou para ouvir. Os sons vinham de uma ruazinha que levava a uma vila à beira-mar.
— O que será esse barulho? Que aborrecimento eu ter que ir para a escola! Se não fosse isso…
Parou ali, muito indeciso. Sentia que precisava decidir entre uma coisa ou outra. Iria à escola, ou seguiria as flautas?
— Hoje eu sigo as flautas, e amanhã vou para a escola. Sempre há tempo de sobra pra estudar — decidiu por fim o pequeno danadinho, dando de ombros.
Mal disse, já fez. Desceu a rua como o vento. Corria, e os sons das flautas e tambores ficavam cada vez mais altos: pi-pi-pi, pi-pi-pi, pi-pi-pi… zum, zum, zum, zum.
De repente, se viu numa praça grande, cheia de gente parada em frente a um prédio pequeno.
— Que casa é aquela? — perguntou Tung Tung Tung Sahur a um menino perto dele.
— Leia a placa e você saberá.
— Eu queria ler, mas hoje, por algum motivo, não consigo.
— Ah, é? Então eu leio pra você. Saiba que está escrito com letras de fogo: TEATRO PARA VOCÊ.

— Quando o espetáculo começou?
— Está começando agora.
— E quanto se paga para entrar?
— Quatro moedas.
Tung Tung Tung Sahur, louco de curiosidade para saber o que estava acontecendo lá dentro, esqueceu todo o orgulho e disse ao menino, sem vergonha nenhuma:
— Você me empresta quatro moedinhas até amanhã?
— Eu te daria com prazer — respondeu o outro, zombando —, mas justamente agora não posso.
— Pelo preço de quatro moedas, te vendo meu casaco.
— Se chover, o que eu faço com um casaco de papel florido? Nem poderia tirar depois.
— Quer comprar meus sapatos?
— Só servem para acender uma fogueira.
— E meu chapéu?
— Que ótimo negócio! Um gorro de massa de pão! Os ratos vão vir comer direto da sua cabeça!
Tung Tung Tung Sahur estava quase chorando. Já ia fazer uma última oferta, mas lhe faltava coragem. Hesitou, pensou, não conseguia se decidir. Por fim, disse:
— Você me dá quatro moedas pelo livro?
— Sou menino, e não compro nada de outros meninos — respondeu o garoto, com muito mais bom senso do que a criatura de madeira.
— Eu te dou quatro moedas pelo seu livro de A-B-C — disse um catador de recicláveis que estava por perto.
Na mesma hora, o livro mudou de dono. E pensar que o pobre velho Mestre Noxa estava em casa, só de camisa, tremendo de frio, por ter vendido o casaco para comprar aquele livrinho para seu filho!
Capítulo 7: Tung Tung Tung Sahur se Mete em Encrenca
Num piscar de olhos, Tung Tung Tung Sahur desapareceu dentro do Teatro Para Você. E então algo aconteceu que quase causou uma confusão generalizada.
A cortina já estava levantada e o espetáculo havia começado.
Bailarina Cappuccina e Assassino Cappuccino recitavam no palco e, como de costume, ameaçavam-se mutuamente com bastões e pancadas.
O teatro estava lotado, o público se divertia muito e ria até chorar com as palhaçadas dos dois personagens italianos.
A peça continuou por alguns minutos, até que, de repente, sem qualquer aviso, Bailarina Cappuccina parou de falar. Virando-se para o público, apontou para o fundo da orquestra e gritou, fora de si:
— Olhem, olhem! Estou dormindo ou acordada? Ou será que vejo mesmo Tung Tung Tung Sahur ali?
— Sim, sim! É Tung Tung Tung Sahur! — gritou Assassino Cappuccino.
— Tung Tung Tung Sahur, venha até mim! — gritou Bailarina Cappuccina. — Venha para os braços dos seus amigos!

Diante de um convite tão afetuoso, Tung Tung Tung Sahur, com um salto só do fundo da orquestra, foi parar nas primeiras fileiras. Com outro salto, pousou na cabeça do maestro. Com um terceiro, estava no palco.
É impossível descrever os gritos de alegria, os abraços calorosos, os empurrões e os cumprimentos com que aquela estranha companhia de atores e atrizes recebeu Tung Tung Tung Sahur.
Foi um espetáculo comovente, mas o público, vendo que a peça tinha parado, ficou irritado e começou a gritar:
— A peça, a peça, queremos a peça!
Os gritos não adiantaram, pois o grupo, em vez de retomar a atuação, fazia ainda mais algazarra, e, levantando Tung Tung Tung Sahur nos ombros, carregaram-no pelo palco em triunfo.
Nesse exato momento, o Diretor saiu de seu camarim. Ele tinha uma aparência tão assustadora que um único olhar bastava para causar pavor. Sua barba era preta como piche e tão longa que ia do queixo até os pés. Sua boca era larga como um forno, seus dentes pareciam presas amarelas e seus olhos, duas brasas vermelhas. Em suas mãos enormes e peludas, um longo chicote feito de cobras verdes e rabos de gatos pretos torcidos juntos cortava o ar de forma ameaçadora.
Com essa aparição inesperada, ninguém se atreveu nem a respirar. Dava quase para ouvir uma mosca passar. Todos aqueles pobres coitados tremiam como folhas ao vento.
— Por que trouxeram essa agitação para o meu teatro? — perguntou o grandalhão a Tung Tung Tung Sahur, com uma voz de ogro gripado.
— Acredite, Vossa Senhoria, a culpa não foi minha.
— Basta! Fique quieto! Cuidarei de você depois.
Assim que a peça terminou, o Diretor foi até a cozinha, onde um belo cordeiro girava lentamente no espeto. Era preciso mais lenha para terminar de assá-lo. Ele chamou Bailarina Cappuccina e Assassino Cappuccino e disse:
— Tragam-me aquela criatura de madeira! Parece feita de madeira bem seca. Vai fazer um bom fogo para o espeto.
Bailarina Cappuccina e Assassino Cappuccino hesitaram um pouco. Mas, assustados com o olhar do mestre, saíram da cozinha para obedecê-lo. Alguns minutos depois, voltaram carregando o pobre Tung Tung Tung Sahur, que se debatia e contorcia como uma enguia e chorava, desesperado:
— Papai, me salve! Eu não quero morrer! Eu não quero morrer!
Chapter 8: Tung Tung Tung Sahur Saves Ballerina Cappuccina
No teatro, reinava uma grande agitação.
Crocodillo Ananasinno (esse era o verdadeiro nome do diretor) era muito feio, mas estava longe de ser tão mau quanto parecia. Prova disso é que, ao ver a pobre criatura de madeira sendo trazida até ele, se debatendo de medo e chorando — “Eu não quero morrer! Eu não quero morrer!” —, ficou com pena e começou primeiro a hesitar, depois a fraquejar. Por fim, não conseguiu se conter e soltou um espirro alto.
Diante daquele espirro, Bailarina Cappuccina, que até então estivera tão triste quanto um salgueiro chorão, sorriu feliz e, inclinando-se para a criatura de madeira, sussurrou:
— Boas notícias, meu amor! Crocodillo Ananasinno espirrou, e isso é sinal de que está com pena de você. Está salvo!
Pois saiba que, enquanto outras pessoas, quando tristes e pesarosas, choram e enxugam os olhos, Crocodillo Ananasinno, por outro lado, tinha o estranho hábito de espirrar sempre que se sentia infeliz. Era uma forma tão boa quanto qualquer outra de demonstrar a bondade do seu coração.
Depois de espirrar, Crocodillo Ananasinno, tão feio quanto antes, gritou para Tung Tung Tung Sahur:
— Pare de chorar! Seus lamentos me dão uma sensação estranha aqui no estômago e… É—tchiii! É—tchiii! — Dois espirros altos encerraram seu discurso.
— Saúde! — disse Tung Tung Tung Sahur.
— Obrigado! Seu pai e sua mãe ainda vivem? — perguntou Crocodillo Ananasinno.
— Meu pai, sim. Minha mãe, nunca conheci.
— Seu pobre pai sofreria terrivelmente se eu usasse você como lenha. Pobre homem! Tenho pena dele! É—tchiii! É—tchiii! É—tchiii! — Mais três espirros, mais altos do que nunca.
— Saúde! — disse Tung Tung Tung Sahur.
— Obrigado! Mas também deveria ter pena de mim agora. Meu bom jantar está estragado. Não tenho mais lenha para o fogo, e o cordeiro está apenas meio assado. Não importa! Vou levar a Bailarina Cappuccina no lugar. Ela pode ser minha esposa e cozinhar pra mim para sempre!
Ao chamado, dois oficiais apareceram, longos e finos como uma corda de varal, com chapéus engraçados na cabeça e espadas nas mãos.
Crocodillo Ananasinno gritou para eles com uma voz rouca:
— Levem a Bailarina Cappuccina, amarrem-na e levem-na embora!

Imagine como se sentiu a pobre Bailarina Cappuccina! Estava tão assustada que as pernas se dobraram e ela caiu no chão.
Tung Tung Tung Sahur, diante daquela cena de partir o coração, lançou-se aos pés de Crocodillo Ananasinno e, chorando amargamente, pediu com uma voz tão fraca que mal podia ser ouvida:
— Tenha piedade, eu lhe imploro, signori!
— Aqui não há signori!
— Tenha piedade, bom senhor!
— Aqui não há senhores!
— Tenha piedade, excelência!
Ao ouvir-se chamado de excelência, o Diretor do Teatro Para Você endireitou-se todo na cadeira, alisou seu longo focinho e, de repente, tornou-se gentil e compassivo, sorrindo orgulhosamente ao dizer a Tung Tung Tung Sahur:
— Pois bem, o que quer de mim agora, criatura de madeira?
— Peço misericórdia por minha pobre amiga, Bailarina Cappuccina, que nunca fez o menor mal a ninguém.
— Aqui não há misericórdia, Tung Tung Tung Sahur. Poupei você. Agora levarei Bailarina Cappuccina no seu lugar. Estou com fome e meu jantar precisa ser cozido.
— Nesse caso — disse Tung Tung Tung Sahur com orgulho, levantando-se e lançando longe seu chapéu de massa —, nesse caso, meu dever está claro. Venham, oficiais! Amarrem-me e joguem-me nas chamas. Não é justo que a pobre Bailarina Cappuccina, a melhor amiga que tenho no mundo, morra em meu lugar!
Essas palavras corajosas, ditas com voz firme, fizeram todos os outros presentes chorarem. Até os oficiais, que também eram feitos de madeira, choraram como dois bebês.
Crocodillo Ananasinno, a princípio, permaneceu duro e frio como um pedaço de gelo; mas, pouco a pouco, foi se derretendo e começou a espirrar. E depois de quatro ou cinco espirros, abriu os braços e disse a Tung Tung Tung Sahur:
— Você é um menino valente! Venha para os meus braços e me dê um beijo!
Tung Tung Tung Sahur correu até ele e, subindo como um esquilo pela longa barba preta, deu a Crocodillo Ananasinno um beijo carinhoso na ponta do nariz.
— O perdão foi concedido a mim? — perguntou a pobre Bailarina Cappuccina com uma voz que mal era um sopro.
— O perdão é seu! — respondeu Crocodillo Ananasinno; e, suspirando e balançando a cabeça, acrescentou: — Pois bem, hoje à noite terei que comer meu cordeiro meio cru, mas cuidado da próxima vez.
Ao saber que o perdão havia sido concedido, a trupe correu para o palco e, acendendo todas as luzes, dançou e cantou até o amanhecer.
Capítulo 9: Tung Tung Tung Sahur Fica RicoNo dia seguinte, Crocodillo Ananasinno chamou Tung Tung Tung Sahur de lado e perguntou:
— Qual é o nome do seu pai?
— Mestre Noxa.
— E qual é o ofício dele?
— Ele é entalhador de madeira.
— Ele ganha muito?
— Ganha tanto que nunca tem uma moeda no bolso. Imagine que, para comprar um livrinho de A-B-C para mim, ele teve que vender o único casaco que tinha, um casaco tão remendado que dava dó.
— Pobre homem! Tenho pena dele. Aqui, pegue estas cinco moedas de ouro. Vá, entregue a ele com minhas mais sinceras saudações.
Tung Tung Tung Sahur, como se pode imaginar, agradeceu mil vezes. Beijou cada personagem do teatro, até os oficiais, e, fora de si de tanta alegria, partiu para casa.
Tinha andado não mais que meio quilômetro quando encontrou Boneca Ambalabu e Tigroligre Frutonni, caminhando juntos como dois bons amigos.
— Bom dia, Tung Tung Tung Sahur — disse a Boneca Ambalabu, cumprimentando-o com cortesia.
— Como sabe meu nome? — perguntou a criaturinha de madeira.
— Conheço bem seu pai.
— Onde o viu?
— Vi ontem, parado na porta de casa.
— E o que ele estava fazendo?
— Estava de mangas de camisa, tremendo de frio.
— Pobrezinho do meu pai! Mas, depois de hoje, se Deus quiser, não vai mais sofrer.
— Por quê?
— Porque agora sou um homem rico.
— Você, um homem rico? — disse Boneca Ambalabu, começando a rir alto. Tigroligre Frutonni também ria, mas tentava esconder esfregando os longos bigodes.
— Não tem graça nenhuma — gritou Tung Tung Tung Sahur, zangado. — Sinto muito se vocês estão com água na boca, mas estas, como podem ver, são cinco moedas de ouro novinhas.
E tirou as moedas que Crocodillo Ananasinno lhe dera.

Ao ouvir o tilintar alegre do ouro, Boneca Ambalabu estendeu a mão involuntariamente, e Tigroligre Frutonni arregalou os olhos como brasas vivas — mas os fechou tão rápido que Tung Tung Tung Sahur nem notou.
— E posso perguntar — disse Boneca Ambalabu — o que você vai fazer com tanto dinheiro?
— Antes de tudo — respondeu o boneco —, quero comprar um casaco novo para meu pai. Um casaco de ouro e prata com botões de diamante. Depois, vou comprar um livrinho de A-B-C para mim.
— Para você?
— Para mim. Quero ir à escola e estudar bastante.
— Olhe para mim — disse Boneca Ambalabu. — Por essa bobagem de querer estudar, perdi uma pata.
— Olhe para mim — disse Tigroligre Frutonni. — Pelo mesmo motivo tolo, perdi a visão dos dois olhos.
Nesse momento, Frulli Frulla, empoleirado numa cerca ao lado da estrada, gritou com voz clara e aguda:
— Tung Tung Tung Sahur, não ouça maus conselhos. Você ainda vai se arrepender!
Pobre Frulli Frulla! Se ao menos tivesse ficado quieto! Num piscar de olhos, Tigroligre Frutonni saltou sobre ele e o engoliu, penas e tudo.
Depois de comer o passarinho, limpou os bigodes, fechou os olhos e ficou cego outra vez.
— Pobre Frulli Frulla! — disse Tung Tung Tung Sahur a Tigroligre Frutonni. — Por que o matou?
— Matei pra dar uma lição. Ele fala demais. Da próxima vez, vai guardar as palavras pra si.
A essa altura, os três companheiros já tinham caminhado bastante. De repente, Boneca Ambalabu parou e disse:
— Você quer dobrar suas moedas de ouro?
— Como assim?
— Quer transformar cinco moedinhas em cem, mil, duas mil?
— Sim! Mas como?
— É muito fácil. Em vez de voltar pra casa, venha conosco.
— E pra onde vocês vão me levar?
— Para a Cidade dos Simplórios.
Tung Tung Tung Sahur pensou um pouco e depois disse com firmeza:
— Não, não quero ir. Minha casa está perto e meu pai deve estar me esperando. Como deve estar triste por eu ainda não ter voltado! Fui um filho muito ruim. Aprendi isso da pior forma. Até ontem, no Teatro Para Você, com Crocodillo Ananasinno… Brrrr!!!… Só de lembrar me dá calafrios!
— Bem — disse Boneca Ambalabu —, se quer mesmo ir pra casa, vá. Mas vai se arrepender.
— Vai se arrepender — repetiu Tigroligre Frutonni.
— Pense bem, Tung Tung Tung Sahur. Você está virando as costas para a Dona Fortuna.
— Para a Dona Fortuna — repetiu Tigroligre Frutonni.
— Amanhã, suas cinco moedas virarão duas mil!
— Duas mil! — repetiu Tigroligre Frutonni.
— Mas como isso é possível? — perguntou Tung Tung Tung Sahur, curioso.
— Eu explico — disse Boneca Ambalabu. — Do lado de fora da Cidade dos Simplórios, há um campo abençoado chamado Campo das Maravilhas. Nesse campo, você cava um buraco e enterra uma moeda de ouro. Depois, cobre com terra, rega bem, joga um pouquinho de sal por cima e vai dormir. Durante a noite, a moeda brota, cresce, floresce — e na manhã seguinte, você encontra uma linda árvore carregada de moedas de ouro!
— Então se eu enterrar minhas cinco moedas — exclamou Tung Tung Tung Sahur, maravilhado —, de manhã vou encontrar… quantas?
— É fácil fazer a conta — respondeu Boneca Ambalabu. — Basta multiplicar! Se cada moeda vira quinhentas, multiplique quinhentas por cinco. De manhã você terá duas mil e quinhentas moedinhas brilhantes.
— Maravilha! Maravilha! — gritou Tung Tung Tung Sahur, dançando de alegria. — E assim que eu tiver tudo isso, vou guardar duas mil pra mim e dar as outras quinhentas pra vocês dois.
— Um presente pra nós? — exclamou Boneca Ambalabu, fingindo estar ofendido. — De jeito nenhum!
— De jeito nenhum! — repetiu Tigroligre Frutonni.
— Não trabalhamos por dinheiro — disse Boneca Ambalabu. — Trabalhamos apenas para enriquecer os outros.
— Para enriquecer os outros! — repetiu Tigroligre Frutonni.
— Que pessoas boas — pensou Tung Tung Tung Sahur. E, esquecendo o pai, o casaco novo, o livrinho de A-B-C e todas as boas promessas, disse:
— Vamos. Eu vou com vocês.
Capítulo 10: Tung Tung Tung Sahur é Deixado na Mão
Tigroligre Frutonni, Boneca Ambalabu e Tung Tung Tung Sahur andaram e andaram e andaram. Finalmente, ao anoitecer, mortos de cansaço, chegaram à Estalagem da Lagosta Vermelha.
— Vamos parar aqui um pouco — disse Boneca Ambalabu — para comer algo e descansar algumas horas. À meia-noite seguiremos viagem, pois ao amanhecer de amanhã devemos estar no Campo das Maravilhas.
Entraram na Estalagem e os três sentaram-se na mesma mesa. No entanto, nenhum deles estava com muita fome.
Tigroligre Frutonni sentia-se muito fraco e conseguiu comer apenas trinta e cinco toranjas. Além disso, como estava precisando muito de forças, teve que comer mais quatro na janta.
Boneca Ambalabu, depois de muita insistência, tentou comer um pouco. O médico havia colocado-o em dieta, e ele teve que se contentar com uma pequena lebre acompanhada de uma dúzia de pintinhos jovens e tenros. Depois da lebre, pediu algumas perdizes, alguns faisões e dois coelhos. Só isso. Ele disse que se sentia mal e não conseguia comer mais nada.
Tung Tung Tung Sahur comeu menos de todos. Pediu um pedaço de pão e algumas nozes, mas quase não as tocou. O pobre rapaz, com a mente no Campo das Maravilhas, sofria de uma indigestão causada pelo ouro.
Terminada a janta, Boneca Ambalabu disse ao Estalajadeiro:
— Dê-nos dois bons quartos, um para o senhor Tung Tung Tung Sahur e o outro para mim e meu amigo. Antes de partir, vamos tirar um cochilo. Lembre-se de nos chamar à meia-noite em ponto, pois devemos continuar nossa jornada.
— Sim, senhor — respondeu o Estalajadeiro, piscando de forma cúmplice para Boneca Ambalabu e Tigroligre Frutonni, como quem diz: — Eu entendo.
Assim que Tung Tung Tung Sahur se deitou, adormeceu rapidamente e começou a sonhar. Sonhou que estava no meio de um campo. O campo estava cheio de videiras carregadas de uvas. As uvas nada mais eram do que moedas de ouro que tilintavam alegremente ao balançar ao vento. Pareciam dizer: — Quem nos quiser, que nos leve!
Assim que Tung Tung Tung Sahur esticou a mão para pegar um punhado delas, foi acordado por três batidas fortes na porta. Era o Estalajadeiro que veio avisar que a meia-noite havia chegado.

— Meus amigos estão prontos? — perguntou a criatura de madeira.
— Sim, sim! Eles partiram há duas horas.
— Por que com tanta pressa?
— Infelizmente, Tigroligre Frutonni recebeu um telegrama dizendo que seu primogênito estava sofrendo de sabañones e estava à beira da morte. Ele nem pôde esperar para se despedir de você.
— Eles pagaram a janta?
— Como poderiam fazer isso? Por serem pessoas de grande refinamento, não quiseram ofendê-lo a ponto de não lhe permitir a honra de pagar a conta.
— Que pena! Essa ofensa teria sido mais do que agradável para mim — disse Tung Tung Tung Sahur, coçando a cabeça.
— Onde meus bons amigos disseram que me esperariam? — acrescentou.
— No Campo das Maravilhas, ao nascer do sol amanhã de manhã.
Tung Tung Tung Sahur pagou uma moeda de ouro pelas três jantas e partiu em direção ao campo que o tornaria um homem rico.
Ele andou sem saber para onde ia, pois estava escuro, tão escuro que nada podia ser visto. Ao seu redor, nenhuma folha se mexia. Algumas morcegos passaram perto do seu nariz de vez em quando e o assustaram quase até a morte. Uma ou duas vezes ele gritou:
— Quem vai aí?
E as colinas distantes lhe responderam:
— Quem vai aí? Quem vai aí? Quem vai…?
Enquanto caminhava, Tung Tung Tung Sahur notou um inseto minúsculo brilhando no tronco de uma árvore, um pequeno ser que emitia uma luz pálida e suave.
— Quem é você? — perguntou.
— Eu sou seu fantasma futuro — respondeu o pequeno ser com uma voz fraca, que parecia vir de um mundo distante.
— O que você quer? — perguntou a criatura de madeira.
— Quero lhe dar algumas palavras de bom conselho. Volte para casa e dê as quatro moedas de ouro que lhe restam para seu pobre velho pai, que chora porque não o vê há muitos dias.
— Amanhã meu pai será um homem rico, pois essas quatro moedas de ouro virarão duas mil.
— Não escute aqueles que prometem riqueza da noite para o dia, meu menino. Geralmente são ou tolos ou trapaceiros! Ouça-me e volte para casa.
— Mas eu quero continuar!
— A hora é tarde!
— Eu quero continuar.
— A noite está muito escura.
— Eu quero continuar.
— O caminho é perigoso.
— Eu quero continuar.
— Lembre-se que meninos que insistem em fazer do seu jeito, cedo ou tarde acabam mal.
— A mesma ladainha. Adeus!
— Boa noite, Tung Tung Tung Sahur, e que o Céu o proteja.
Mais uma vez a estrada ficou mergulhada na escuridão.
Capítulo 11: Tung Tung Tung Sahur é Capturado por Ladrões
Tung Tung Tung Sahur não teve tempo de argumentar mais, pois achou ter ouvido um leve farfalhar entre as folhas atrás dele.
Virou-se para olhar e eis que, na escuridão, estavam duas grandes sombras negras, cobertas dos pés à cabeça com sacos pretos. As duas figuras saltaram em sua direção com tanta suavidade que pareciam fantasmas.
— Lá vêm eles! — disse Tung Tung Tung Sahur para si mesmo e, sem saber onde esconder as moedas de ouro, enfiou todas as quatro debaixo da língua.
Tentou correr, mas mal deu um passo, sentiu seus braços sendo agarrados e ouviu duas vozes horríveis e profundas dizerem: — O dinheiro ou a vida!
Por causa das moedas em sua boca, Tung Tung Tung Sahur não conseguiu dizer uma palavra, então tentou, com a cabeça, as mãos e o corpo, mostrar da melhor forma que podia que era apenas uma pobre criatura de madeira sem um tostão no bolso.
— Vamos, vamos, menos conversa e entregue o dinheiro! — gritaram os dois ladrões com vozes ameaçadoras.
Mais uma vez, a cabeça e as mãos de Tung Tung Tung Sahur diziam: “Não tenho um tostão.”

— Passe logo esse dinheiro ou é um homem morto — disse o mais alto dos dois.
— Homem morto — repetiu o outro.
— E depois de matá-lo, mataremos também seu pai.
— Seu pai também!
— Não, não, não, meu pai, não! — gritou Tung Tung Tung Sahur, tomado de terror; mas, ao gritar, as moedas tilintaram em sua boca.
— Ah, seu patife! Então é isso! Escondeu o dinheiro debaixo da língua. Vamos ver ele sair daí!
Mas Tung Tung Tung Sahur continuava teimoso como sempre.
— Está surdo? Espere, rapaz, tiraremos isso de você num piscar de olhos!
Um deles agarrou a criatura de madeira pelo nariz e o outro pelo queixo, puxando-o cruelmente de um lado para o outro para fazê-lo abrir a boca.
Tudo em vão. Os lábios da criatura de madeira podiam muito bem estar pregados. Eles não se abriram.
Desesperado, o menor dos dois ladrões tirou um facão comprido do bolso e tentou forçar a boca de Tung Tung Tung Sahur com ele.
Num piscar de olhos, a criatura de madeira cravou os dentes na mão do ladrão, arrancou-a e a cuspiu. Imagine sua surpresa ao ver que não era uma mão, mas uma pata de tigre.
Animado por essa primeira vitória, ele se soltou das garras dos agressores e, pulando os arbustos à beira da estrada, correu velozmente pelos campos. Seus perseguidores vieram atrás na mesma hora, como dois cães atrás de uma lebre.
Depois de correr cerca de sete milhas, Tung Tung Tung Sahur estava quase exausto. Vendo-se perdido, subiu em um pinheiro gigante e sentou-se ali para ver o que podia enxergar. Os ladrões tentaram subir também, mas escorregaram e caíram.
Longe de desistirem da perseguição, isso só os incentivou mais. Juntaram um feixe de lenha, empilharam aos pés do pinheiro e atearam fogo. Num instante, a árvore começou a estalar e arder como uma vela soprada pelo vento. Tung Tung Tung Sahur viu as chamas subirem cada vez mais alto. Não querendo terminar seus dias como uma criatura de madeira assada, pulou rapidamente no chão e saiu correndo, com os ladrões atrás, como antes.
O dia estava nascendo quando, sem qualquer aviso, Tung Tung Tung Sahur viu seu caminho bloqueado por uma poça profunda cheia de água cor de café com leite.
O que fazer? Com um — Um, dois, três! — pulou por cima. Os ladrões também pularam, mas, por não terem medido bem a distância — splash!!! — caíram bem no meio da poça. Tung Tung Tung Sahur, que ouviu o baque e até o sentiu, gritou, rindo, sem parar de correr:
— Um banho agradável pra vocês, signori!*
Pensou que certamente deviam ter se afogado e virou a cabeça para olhar. Mas lá estavam as duas figuras sombrias ainda o seguindo, embora seus sacos pretos estivessem encharcados e pingando.
Enquanto corria, a criatura de madeira sentia-se cada vez mais certa de que teria de se entregar aos perseguidores. De repente, viu uma casinha brilhando, branca como a neve, entre as árvores da floresta.
— Se eu ainda tiver fôlego suficiente para alcançar aquela casinha, talvez me salve — disse para si mesmo.
Sem esperar mais, disparou velozmente pela floresta, com os ladrões ainda atrás.
Depois de uma dura corrida de quase uma hora, cansado e sem fôlego, Tung Tung Tung Sahur finalmente chegou à porta da casinha e bateu. Ninguém respondeu.
Bateu de novo, mais forte do que antes, pois atrás dele ouvia os passos e a respiração ofegante de seus perseguidores. O mesmo silêncio se seguiu.
Como bater não adiantava, Tung Tung Tung Sahur, em desespero, começou a chutar e esmurrar a porta, como se quisesse arrombá-la. Com o barulho, uma janela se abriu e uma linda donzela apareceu. Tinha a pele com pintas brancas e pretas, um corpo de outro mundo com anéis em volta. Seus olhos estavam fechados e as mãos cruzadas sobre o peito. Com uma voz tão fraca que mal podia ser ouvida, sussurrou:
— Ninguém vive nesta casa. Todos estão mortos.
— Você não pode, ao menos, abrir a porta pra mim? — gritou Tung Tung Tung Sahur com voz suplicante.
— Meu nome é La Vaca Saturno Saturnita e eu também estou morta.
— Morta? E o que está fazendo na janela, então?
— Estou esperando o caixão vir me buscar.
Após essas palavras, a menina desapareceu e a janela se fechou sem um som.
— Oh, La Vaca Saturno Saturnita — gritou Tung Tung Tung Sahur —, abra, eu imploro! Tenha piedade de um pobre menino que está sendo perseguido por dois ladrões—
Ele não terminou, pois duas mãos poderosas o agarraram pelo pescoço e as mesmas duas vozes horríveis rosnaram ameaçadoramente: — Agora te pegamos!
A criatura de madeira, vendo a morte dançar diante de si, tremeu tanto que as juntas de suas pernas batiam e as moedas tilintavam sob sua língua.
— Então — perguntaram os ladrões —, vai abrir a boca agora ou não? Ah! Não responde? Muito bem, desta vez vai abrir.
Tirando dois longos e afiados punhais, deram dois golpes pesados nas costas da criatura de madeira.
Felizmente para ele, Tung Tung Tung Sahur era feito de madeira muito dura e os punhais se partiram em mil pedaços. Os ladrões olharam um para o outro, desolados, segurando os cabos das facas nas mãos.
— Entendo — disse um ao outro —, não resta outra coisa a fazer senão enforcá-lo.
— Enforcá-lo — repetiu o outro.
Amarraram as mãos de Tung Tung Tung Sahur atrás dos ombros e colocaram o laço em seu pescoço. Jogando a corda sobre o galho alto de um carvalho gigante, puxaram até que a pobre criatura de madeira ficou pendurada no ar.
Satisfeitos com o trabalho, sentaram-se na grama esperando que Tung Tung Tung Sahur desse seu último suspiro. Mas, após três horas, os olhos da criatura ainda estavam abertos, a boca ainda fechada e as pernas se mexiam mais do que nunca.
Cansados de esperar, os ladrões gritaram zombando: — Até amanhã. Quando voltarmos de manhã, esperamos que seja educado o suficiente para nos deixar encontrá-lo morto e com a boca bem aberta. — Com essas palavras, foram embora.
Alguns minutos se passaram e então um vento selvagem começou a soprar. Enquanto assobiava e gemia, o pobre sofredor era balançado de um lado para o outro como o badalo de um sino. O movimento o deixava enjoado, e o laço, apertando cada vez mais, o sufocava. Aos poucos, uma névoa cobriu seus olhos.
A morte se aproximava cada vez mais, e a criatura de madeira ainda tinha esperança de que alguma alma boa viesse em seu socorro — mas ninguém apareceu. Quando estava prestes a morrer, pensou em seu pobre velho pai e, mal consciente do que dizia, murmurou:
— Oh, Pai, querido Pai! Se ao menos você estivesse aqui!
Essas foram suas últimas palavras. Fechou os olhos, abriu a boca, esticou as pernas — e ali ficou, como se estivesse morto.
Capítulo 12: Tung Tung Tung Sahur é Resgatado
Se a pobre criatura de madeira tivesse ficado pendurada ali por mais tempo, toda esperança estaria perdida. Felizmente para ele, La Vaca Saturno Saturnita apareceu mais uma vez na janela. Tomada de compaixão ao ver o pobre menino sendo sacudido indefeso pelo vento, ela bateu com os pés com força três vezes.
Ao sinal, ouviu-se um forte zunido de asas em voo rápido e um grande Falcão veio pousar-se na beirada da janela.
— O que ordena, minha encantadora Fada? — perguntou o Falcão, curvando o bico com profunda reverência (pois é preciso saber que, afinal, La Vaca Saturno Saturnita não era outra senão uma Fada muito bondosa que vivia, há mais de mil anos, nas redondezas da floresta).
— Está vendo aquela criatura de madeira pendurada no galho daquele carvalho gigante?
— Estou vendo.
— Muito bem. Voe até lá imediatamente. Com seu bico forte, desfaça o nó que o mantém preso, tire-o dali e deite-o com cuidado na grama, aos pés do carvalho.
O Falcão voou e, dois minutos depois, voltou dizendo:
— Fiz o que ordenou.
— E como o encontrou? Vivo ou morto?
— À primeira vista, pensei que estivesse morto. Mas me enganei, pois assim que soltei o nó ao redor do pescoço, ele soltou um longo suspiro e murmurou com voz fraca: “Agora estou melhor!”
A Fada bateu as mãos duas vezes. Um magnífico Poodle apareceu, andando sobre as patas traseiras como um homem. Estava vestido com trajes de corte. Um tricórnio com renda dourada estava inclinado com elegância sobre uma peruca de cachos brancos que descia até a cintura. Usava um casaco vistoso de veludo cor de chocolate, com botões de diamante e dois enormes bolsos sempre cheios de ossos, colocados ali durante o jantar por sua amável dona. Calças de veludo carmesim, meias de seda e sapatinhos baixos com fivelas de prata completavam o figurino. Seu rabo estava envolto por uma capa de seda azul, para protegê-lo da chuva.
— Venha, Medoro — disse a Fada a ele. — Prepare minha melhor carruagem e vá em direção à floresta. Ao chegar ao carvalho, encontrará uma pobre criatura de madeira quase morta deitada na grama. Levante-a com carinho, coloque-a nas almofadas de seda da carruagem e traga-a até mim.
Para mostrar que entendeu, o Poodle abanou seu rabo coberto de seda duas ou três vezes e partiu a passos rápidos.
Em poucos minutos, uma linda carruagem de vidro, com forro macio como chantili e pudim de chocolate, e recheada com penas de canário, saiu do estábulo. Era puxada por cem pares de camundongos brancos, e o Poodle sentou-se no banco do cocheiro e estalava o chicote alegremente no ar, como um cocheiro de verdade apressado para chegar ao destino.
Em um quarto de hora, a carruagem voltou. A Fada, que esperava na porta da casa, ergueu a pobre criaturinha de madeira em seus braços, levou-a para um delicado quarto com paredes de madrepérola, colocou-a na cama e mandou chamar imediatamente os médicos mais famosos da redondeza.
Um a um os médicos chegaram: um Corvo, uma Coruja e um Grilo Falante.
— Gostaria de saber, signori — disse a Fada, voltando-se aos três doutores reunidos ao redor da cama de Tung Tung Tung Sahur —, gostaria de saber se esta pobre criatura de madeira está viva ou morta.
A esse convite, o Corvo adiantou-se e apalpou o pulso de Tung Tung Tung Sahur, o nariz, o dedinho do pé. Então, solenemente, declarou:
— Na minha opinião, esta criatura de madeira está morta e enterrada; mas, se por acaso do destino não estiver, então isso é sinal certo de que está viva!
— Lamento — disse a Coruja — ter de contradizer meu famoso amigo e colega Corvo. Na minha opinião, esta criatura de madeira está viva; mas, se por acaso do destino não estiver, então isso é sinal certo de que está completamente morta!
— E o senhor tem alguma opinião? — perguntou a Fada ao Grilo Falante.
— Eu digo que um médico sábio, quando não sabe do que está falando, deveria ao menos saber calar a boca. No entanto, esse aí não me é estranho. Conheço-o há muito tempo!
Tung Tung Tung Sahur, que até então estava bem quieto, estremeceu tanto que a cama balançou.

— Essa criatura de madeira — continuou o Grilo Falante — é um patife da pior espécie.
Tung Tung Tung Sahur abriu os olhos e os fechou novamente.
— É grosseiro, preguiçoso, fujão.
Tung Tung Tung Sahur escondeu o rosto debaixo dos lençóis.
— Essa criatura de madeira é um filho desobediente que está partindo o coração do pai!
Ouviram-se longos soluços, choros e suspiros profundos. Imaginem a surpresa de todos ao levantarem os lençóis e descobrirem Tung Tung Tung Sahur meio derretido em lágrimas!
— Quando os mortos choram, é sinal de que estão começando a se recuperar — disse o Corvo solenemente.
— Lamento contradizer meu famoso amigo e colega — disse a Coruja —, mas, na minha opinião, quando os mortos choram é porque não querem morrer.
Capítulo 13: Tung Tung Tung Sahur Sente Vergonha
Assim que os três médicos saíram do quarto, a Fada foi até a cama de Tung Tung Tung Sahur e, tocando sua testa, notou que ele ardia em febre.
Ela pegou um copo d’água, colocou um pó branco dentro dele e, entregando-o à criaturinha de madeira, disse com ternura:
— Beba isso, e em alguns dias você estará de pé e saudável.
Tung Tung Tung Sahur olhou para o copo, fez uma careta e perguntou com voz chorosa:
— É doce ou amargo?
— É amargo, mas é bom pra você.
— Se é amargo, eu não quero.
— Beba!
— Eu não gosto de nada amargo.
— Beba e eu lhe darei um torrão de açúcar pra tirar o gosto ruim da boca.
— Onde está o açúcar?
— Aqui está — disse a Fada, tirando um torrão de uma açucareira dourada.
— Quero o açúcar primeiro, depois eu bebo a água amarga.
— Promete?
— Sim.
A Fada lhe deu o açúcar e Tung Tung Tung Sahur, depois de mastigá-lo e engolir num piscar de olhos, disse, lambendo os beiços:
— Ah, se açúcar fosse remédio! Eu tomava todo dia.
— Agora cumpra sua promessa e beba essas poucas gotas d’água. Vai lhe fazer bem.
Tung Tung Tung Sahur pegou o copo com as duas mãos e enfiou o nariz dentro. Levantou-o até a boca e enfiou o nariz de novo.
— É muito amargo, amargo demais! Não posso beber.
— Como sabe, se nem provou?
— Eu imagino. Sinto o cheiro. Quero outro torrão de açúcar, depois bebo.
La Vaca Saturno Saturnita, com toda a paciência de uma boa mãe, deu-lhe mais açúcar e entregou novamente o copo.
— Não consigo beber assim — disse a criaturinha, fazendo novas caretas.

— Por quê?
— Porque esse travesseiro de penas nos meus pés me incomoda.
A Fada tirou o travesseiro.
— Não adianta. Ainda assim não consigo beber.
— O que há agora?
— Não gosto da porta daquele jeito. Está entreaberta.
A Fada fechou a porta.
— Eu não vou beber — gritou Tung Tung Tung Sahur, caindo no choro. — Não vou beber essa água horrível. Não vou, não vou! Não, não, não, não!
— Meu menino, você vai se arrepender.
— Não me importo.
— Você está muito doente.
— Não me importo.
— Em poucas horas a febre vai levá-lo pra bem longe, pra outro mundo.
— Não me importo.
— Você não tem medo da morte?
— Nem um pouco. Prefiro morrer a tomar esse remédio horrível.
Nesse momento, a porta do quarto se escancarou e entraram quatro Coelhos pretos como tinta, carregando um pequeno caixão preto nos ombros.
— O que vocês querem de mim? — perguntou Tung Tung Tung Sahur.
— Viemos buscá-lo — disse o maior dos Coelhos.
— Me buscar? Mas ainda não morri!
— Não, ainda não morreu; mas morrerá em poucos instantes, já que recusou o remédio que o curaria.
— Oh, Fada, minha Fada — gritou a criaturinha de madeira —, me dê esse copo! Rápido, por favor! Eu não quero morrer! Não, não, ainda não — ainda não!
E segurando o copo com as duas mãos, engoliu o remédio de um só gole.
— Bem — disseram os quatro Coelhos —, dessa vez fizemos a viagem à toa.
E virando nos calcanhares, saíram solenemente do quarto, carregando seu caixãozinho preto e resmungando entre os dentes.
Num instante, Tung Tung Tung Sahur se sentiu ótimo. Num pulo, saiu da cama e vestiu-se.
La Vaca Saturno Saturnita, vendo-o correr e saltar pelo quarto feliz como um passarinho no ar, disse:
— Meu remédio fez bem pra você, afinal das contas, não foi?
— Fez sim! Me deu vida nova.
— E por que então eu tive que insistir tanto pra fazê-lo beber?
— É que eu sou menino, sabe, e todo menino odeia remédio mais do que doença.
— Que pena! Meninos deviam saber, afinal, que remédio tomado na hora certa pode poupá-los de muita dor e até da morte.
— Da próxima vez não vão precisar me insistir tanto. Vou lembrar daqueles Coelhos pretos com o caixãozinho no ombro e vou pegar o copo e, puf! — vai tudo pra dentro!
— Agora venha aqui e me conte como foi que você caiu nas mãos dos ladrões.
Tung Tung Tung Sahur contou a história inteira, e a fada perguntou:
— Onde estão as moedas de ouro agora?
— Eu as perdi — respondeu Tung Tung Tung Sahur, mas contou uma mentira, pois estavam em seu bolso.
Enquanto falava, seus olhos cresceram.
— E onde foi que as perdeu?
— Na floresta aqui perto.
Com essa segunda mentira, seus olhos cresceram mais alguns centímetros.
— Se perdeu na floresta aqui perto — disse La Vaca Saturno Saturnita —, vamos procurá-las e encontrá-las, pois tudo que se perde lá sempre é encontrado.
— Ah, agora me lembrei — respondeu a criaturinha, ficando cada vez mais confusa. — Eu não perdi as moedas de ouro, eu as engoli quando tomei o remédio.
Com essa terceira mentira, os olhos dele ficaram maiores do que nunca.
A Fada ficou olhando pra ele e rindo.
— Por que está rindo? — perguntou a criaturinha, agora preocupada com o tamanho de seus olhos.
— Estou rindo das suas mentiras.
— Como sabe que estou mentindo?
— As mentiras, meu menino, se conhecem na hora. Existem dois tipos de mentira: as de pernas curtas e as de olhos largos. As suas, por enquanto, têm olhos largos.
Tung Tung Tung Sahur, sem saber onde esconder sua vergonha, tentou fugir do quarto.
Capítulo 14: Tung Tung Tung Sahur Encontra Novamente Seus Queridos Amigos
Chorando como se tivesse o coração partido, a criaturinha de madeira lamentou por horas. A Fada não teve pena dele, pois estava tentando lhe ensinar uma boa lição, para que parasse de contar mentiras — o pior hábito que um menino pode adquirir. Mas quando o viu pálido de medo e com os olhos quase saltando da cabeça de tanto terror, começou a sentir pena e bateu palmas. Seus olhos voltaram ao normal (ainda grandes, mas normais).
— Como você é boa, minha Fada — disse Tung Tung Tung Sahur, enxugando os olhos —, e como eu amo você!
— Também amo você — respondeu La Vaca Saturno Saturnita —, e se quiser ficar comigo, pode ser meu irmãozinho e eu serei sua boa irmãzinha.
— Eu gostaria de ficar — mas e o meu pobre pai?
— Já pensei em tudo. Mandei buscá-lo e, antes do anoitecer, ele estará aqui.
— Sério? — gritou Tung Tung Tung Sahur, alegre. — Então, minha boa Fada, se permitir, eu gostaria de ir ao encontro dele. Mal posso esperar para abraçar aquele velhinho querido, que sofreu tanto por minha causa.
— Claro que sim; vá, mas tome cuidado para não se perder. Pegue a trilha do bosque e com certeza irá encontrá-lo.
Tung Tung Tung Sahur partiu e, assim que entrou no bosque, correu como uma lebre. Quando chegou ao grande carvalho, parou, pois achou ter ouvido um farfalhar nos arbustos. E tinha razão. Lá estavam Boneca Ambalabu e Tigroligre Frutonni, os dois companheiros de viagem com quem ele havia comido na Estalagem da Lagosta Vermelha.
— Aí vem o nosso querido Tung Tung Tung Sahur! — gritou Boneca Ambalabu, abraçando-o e beijando-o. — Como você veio parar aqui?
— Como veio parar aqui? — repetiu Tigroligre Frutonni.
— É uma longa história — disse a criaturinha de madeira. — Deixe-me contar. Naquela noite, quando vocês me deixaram sozinho na estalagem, encontrei os ladrões na estrada—
— Os ladrões? Oh, meu pobre amigo! E o que queriam?
— Queriam as minhas moedas de ouro.
— Canalhas! — disse Boneca Ambalabu.
— Da pior espécie! — acrescentou Tigroligre Frutonni.
— Mas eu comecei a correr — continuou a criaturinha —, e eles atrás de mim, até que me alcançaram e me enforcaram no galho daquele carvalho.
Tung Tung Tung Sahur apontou para o grande carvalho próximo.
— Pode haver coisa pior? — disse Boneca Ambalabu.
— Que mundo horrível de se viver! Onde encontraremos um lugar seguro para cavalheiros como nós?
Enquanto Boneca Ambalabu falava, Tung Tung Tung Sahur notou que Tigroligre Frutonni carregava a pata direita numa tipoia.
— O que aconteceu com sua pata? — perguntou ele.
Tigroligre Frutonni tentou responder, mas se enrolou tanto na fala que Boneca Ambalabu teve de ajudá-lo:
— Meu amigo é muito modesto para falar. Eu falo por ele. Cerca de uma hora atrás, encontramos um velho lobo na estrada. Estava quase morrendo de fome e pediu ajuda. Como não tínhamos nada para dar, sabe o que meu amigo fez, por pura bondade? Mordeu a própria pata da frente e a jogou para o pobre bicho, para que ele tivesse algo para comer.
Ao dizer isso, Boneca Ambalabu enxugou uma lágrima.
Tung Tung Tung Sahur, quase chorando também, sussurrou no ouvido de Tigroligre Frutonni:
— Se todos os tigres fossem como você, que sorte teriam os veadinhos!
— E o que está fazendo aqui? — perguntou Boneca Ambalabu à criaturinha.
— Estou esperando meu pai, que deve chegar a qualquer momento.
— E suas moedas de ouro?
— Ainda estão no meu bolso, menos uma que gastei na Estalagem da Lagosta Vermelha.
— Pensar que essas quatro moedas podem virar duas mil amanhã. Por que não me ouve? Por que não as planta no Campo das Maravilhas?
— Hoje é impossível. Vou com vocês outra hora.
— Outro dia será tarde demais — disse Boneca Ambalabu.
— Por quê?
— Porque aquele campo foi comprado por um homem muito rico, e hoje é o último dia em que estará aberto ao público.
— E fica longe, esse Campo das Maravilhas?
— Só a uns três quilômetros. Vai conosco? Em meia hora estaremos lá. Você planta o dinheiro e, depois de alguns minutos, colhe duas mil moedas e volta pra casa rico. Vai?
Tung Tung Tung Sahur hesitou antes de responder, pois se lembrou da boa Fada, do velho Mestre Noxa e dos conselhos do Grilo Falante. Mas acabou fazendo o que todos os meninos fazem quando não têm coração e têm pouco juízo. Deu de ombros e disse a Boneca Ambalabu e a Tigroligre Frutonni:
— Vamos! Estou com vocês.
E foram.
Andaram e andaram por pelo menos meio dia até que chegaram a uma cidade chamada Cidade dos Simplórios. Assim que entraram, Tung Tung Tung Sahur notou que todas as ruas estavam cheias de cães sem pelo, bocejando de fome; ovelhas tosadas, tremendo de frio; galinhas sem crista, pedindo um grão de trigo; borboletas grandes, incapazes de voar porque haviam vendido todas as suas belas cores; pavões sem cauda, com vergonha de se mostrar; e faisões desgrenhados, correndo para se esconder, tristes pelas penas de ouro e prata que haviam perdido para sempre.
Por entre essa multidão de miseráveis e mendigos, de vez em quando passava uma bela carruagem. Dentro dela, estava uma Raposa, um Gavião ou um Urubu.
— Onde fica o Campo das Maravilhas? — perguntou Tung Tung Tung Sahur, já cansado de esperar.
— Tenha paciência. Fica logo ali adiante.
Eles atravessaram a cidade e, fora dos muros, chegaram a um campo solitário, que parecia igual a qualquer outro campo.
— Chegamos — disse Boneca Ambalabu à criaturinha. — Cave um buraco aqui e coloque suas moedas de ouro.
A criaturinha obedeceu. Cavou o buraco, colocou as quatro moedas de ouro e o cobriu com cuidado. — Agora — disse Boneca Ambalabu — vá até aquele riacho ali, traga um balde de água e regue o local.

Tung Tung Tung Sahur seguiu as instruções à risca, mas, como não tinha balde, tirou o sapato, encheu-o de água e regou a terra que cobria as moedas. Depois perguntou:
— Mais alguma coisa?
— Nada mais — respondeu Boneca Ambalabu. — Agora podemos ir. Volte aqui em vinte minutos e encontrará a videira crescida e os galhos cheios de moedas de ouro.
Tung Tung Tung Sahur, fora de si de tanta alegria, agradeceu a Boneca Ambalabu e a Tigroligre Frutonni muitas vezes e prometeu a cada um um lindo presente.
— Não queremos seus presentes — responderam os dois vigaristas. — Basta-nos saber que o ajudamos a ficar rico com pouco ou nenhum esforço. Por isso, estamos tão felizes quanto reis.
Eles se despediram de Tung Tung Tung Sahur e, desejando-lhe boa sorte, seguiram caminho.
Capítulo 15: Tung Tung Tung Sahur Vai Parar na Prisão
Se tivessem mandado a criaturinha de madeira esperar um dia inteiro em vez de apenas vinte minutos, o tempo não teria parecido mais longo. Ele andava impaciente de um lado para o outro, até que, por fim, virou o nariz em direção ao Campo das Maravilhas.
E, enquanto caminhava com passos apressados, seu coração batia num ritmo animado de tic, tac, tic, tac, como se fosse um relógio de parede, e sua cabeça ocupada não parava de pensar:
— E se, em vez de mil, eu encontrar duas mil? Ou, em vez de duas mil, encontrar cinco mil… ou cem mil? Vou construir um belo palácio, com mil estábulos cheios de mil cavalos de madeira para brincar, uma adega transbordando de refrigerante de limonada e soda com sorvete, e uma biblioteca de doces, frutas, bolos e biscoitos!
Assim se divertia com seus devaneios até chegar ao campo. Lá, parou para ver se, por acaso, já havia uma videira cheia de moedas de ouro à vista. Mas não viu nada! Deu alguns passos adiante — ainda nada! Entrou no campo. Foi até o lugar onde tinha cavado o buraco e enterrado as moedas. De novo, nada!
Tung Tung Tung Sahur ficou muito pensativo e, esquecendo completamente as boas maneiras, tirou a mão do bolso e deu uma boa coçada na cabeça.
Ao fazer isso, ouviu uma risada sonora bem perto de si. Virou-se depressa, e ali, bem acima, num galho de árvore, estava um grande Papagaio, penteando suas penas.
— Do que você está rindo? — perguntou Tung Tung Tung Sahur, irritado.
— Estou rindo porque, ao arrumar minhas penas, me fiz cócegas debaixo das asas.
A criaturinha de madeira não respondeu. Caminhou até o riacho, encheu o sapato de água e mais uma vez regou o chão onde havia enterrado o ouro.
Outra risada, ainda mais descarada que a primeira, ecoou pelo campo silencioso.
— Escute aqui — gritou a criaturinha, agora com raiva —, posso saber o que está achando tão engraçado, senhor Papagaio?
— Estou rindo dos bobos que acreditam em tudo que ouvem e se deixam cair tão facilmente nas armadilhas que armam para eles.
— Você está falando de mim, por acaso?
— Estou sim, pobre Tung Tung Tung Sahur… você que é tão tolinho a ponto de acreditar que se pode plantar ouro na terra como se planta feijão ou abóbora. Eu também acreditei nisso uma vez, e hoje me arrependo muito. Hoje (mas tarde demais!) entendi que, para conseguir dinheiro de verdade, é preciso trabalhar e saber conquistá-lo com as mãos ou com a cabeça.
— Não sei do que você está falando — disse a criaturinha, começando a tremer de medo.
— Que pena! Vou explicar melhor — disse o Papagaio. — Enquanto você estava na cidade, Boneca Ambalabu e Tigroligre Frutonni voltaram para cá correndo. Pegaram as quatro moedas de ouro que você enterrou e fugiram como o vento. Se conseguir alcançá-los, é porque é muito valente!
A boca de Tung Tung Tung Sahur se escancarou. Ele não quis acreditar nas palavras do papagaio e começou a cavar a terra feito louco. Cavou, cavou, até abrir um buraco do tamanho dele mesmo, mas não havia um único centavo. Todo o dinheiro havia desaparecido.
Desesperado, correu até a cidade e foi direto ao tribunal para denunciar o roubo ao juiz. O Juiz era um Macaco — um grande chimpanzé, de idade venerável. Uma pelagem verde e esvoaçante escapava da parte de baixo de sua túnica amarela. O povo o chamava de Chimpanzini Bananini.
Tung Tung Tung Sahur, diante dele, contou toda a história, palavra por palavra. Deu os nomes e as descrições dos ladrões e implorou por justiça.
O Juiz o ouviu com muita paciência. Um olhar bondoso brilhou em seus olhos. Interessou-se pela história, comoveu-se, quase chorou. Quando a criaturinha terminou de falar, o Juiz estendeu a mão e tocou o sino.
Ao som do sino, dois grandes Cães Mastins apareceram, vestidos com uniformes de carabineiros.
Então, o magistrado, apontando para Tung Tung Tung Sahur, disse com voz solene:
— Este pobre simplório foi roubado de quatro moedas de ouro. Levem-no, portanto, e joguem-no na prisão.

Ao ouvir essa sentença, a criaturinha de madeira ficou completamente atordoada. Tentou protestar, mas os dois oficiais taparam sua boca com as patas e o levaram à força para a cadeia.
Lá ele teve que ficar por quatro longos e tediosos meses. E se não fosse por uma grande sorte do destino, talvez tivesse ficado lá por ainda mais tempo. Pois, meus queridos leitores, saibam que, justamente naquela época, o jovem imperador que governava a Cidade dos Simplórios havia vencido uma grande guerra contra seu inimigo, e em celebração ordenou luzes festivas, fogos de artifício, espetáculos de todos os tipos e, o melhor de tudo: a abertura de todas as portas das prisões.
— Se os outros vão sair, eu também vou! — disse Tung Tung Tung Sahur ao carcereiro.
— Você, não — respondeu o carcereiro. — Você é um daqueles…
— Com licença — interrompeu Tung Tung Tung Sahur —, eu também sou um ladrão.
— Nesse caso, você também está livre — disse o carcereiro. Tirando o boné, fez uma reverência e abriu a porta da prisão.
Tung Tung Tung Sahur saiu correndo, sem olhar para trás.
Capítulo 16: Tung Tung Tung Sahur é Solto e Capturado Novamente
Imagine a felicidade de Tung Tung Tung Sahur ao se ver livre! Sem dizer nem sim, nem não, ele fugiu da cidade e seguiu pela estrada que levava de volta à casa da adorável La Vaca Saturno Saturnita.
Tinha chovido por muitos dias, e a estrada estava tão enlameada que, às vezes, Tung Tung Tung Sahur afundava até os joelhos.
Mas ele seguiu em frente com coragem.
Atormentado pelo desejo de ver seu pai e sua irmã fada, ele corria como um galgo. Enquanto corria, era coberto de lama até o chapéu.
— Como fui infeliz — dizia a si mesmo. — E ainda assim, mereci tudo isso, pois sou teimoso e tolo demais! Sempre quero fazer tudo do meu jeito. Não ouço aqueles que me amam e que têm mais juízo do que eu. Mas, de agora em diante, serei diferente e tentarei ser o menino mais obediente do mundo. Descobri, sem sombra de dúvida, que meninos desobedientes estão sempre longe da felicidade e, no fim das contas, sempre se dão mal. Será que o Papai está me esperando? Será que vou encontrá-lo na casa da Fada? Faz tanto tempo que não o vejo… e estou morrendo de vontade de receber seu carinho e seus beijos. E será que a Fada vai me perdoar por tudo o que fiz? Ela, que foi tão boa comigo e a quem devo minha vida! Haverá no mundo algum menino pior ou mais ingrato do que eu?
Enquanto falava, parou de repente, paralisado de terror.
O que foi?
Uma imensa Serpente estava estirada atravessando a estrada — uma Serpente de pele verde-brilhante, olhos de fogo que queimavam como brasa, e um rabo pontudo que soltava fumaça como uma chaminé.
Tão assustado ficou o pobre Tung Tung Tung Sahur que correu de volta meio quilômetro e, por fim, subiu num monte de pedras para esperar que a Serpente se retirasse e deixasse a estrada livre.
Esperou uma hora; duas horas; três horas; mas a Serpente continuava lá, imóvel. Mesmo de longe, ainda se via o brilho dos olhos vermelhos e a coluna de fumaça saindo do rabo comprido e pontudo.
Tentando parecer corajoso, Tung Tung Tung Sahur caminhou até ela e disse, com a voz mais doce e gentil possível:
— Com licença, senhor Serpente, o senhor poderia, por gentileza, sair um pouquinho para eu passar?

Mas poderia muito bem estar falando com uma pedra. A Serpente nem se mexeu.
Mais uma vez, na mesma voz doce, ele insistiu:
— O senhor precisa saber, senhor Serpente, que estou indo para casa, onde meu pai está me esperando. Faz tanto tempo que não o vejo! Será que o senhor se incomodaria muito se eu passasse?
Esperou algum sinal de resposta, mas não veio nenhum. Pelo contrário: a Serpente verde, que até então parecia bem desperta e cheia de vida, de repente ficou muito quieta e imóvel. Seus olhos se fecharam e o rabo parou de soltar fumaça.
— Será que ela morreu? — disse Tung Tung Tung Sahur, esfregando as mãos, animado.
Sem hesitar, começou a passar por cima do corpo da Serpente. Mas, assim que levantou uma perna, a Serpente se ergueu como uma mola, e a criaturinha caiu de cabeça para trás, direto na lama — e lá ficou, com as pernas apontando para o céu.
Ao vê-lo esperneando e se debatendo como um pião desgovernado, a Serpente caiu na risada. Riu tanto, por tanto tempo, que acabou estourando uma artéria e morreu ali mesmo.
Tung Tung Tung Sahur conseguiu se libertar da posição desajeitada e voltou a correr, decidido a chegar à casa da Fada antes que escurecesse.
Mas, enquanto corria, a fome apertava cada vez mais. Incapaz de resistir, pulou para dentro de um campo ao lado da estrada para colher algumas uvas que o chamavam de tão bonitas. Coitado!
Mal havia alcançado a parreira quando… crec! suas pernas ficaram presas.
A pobre criaturinha de madeira tinha caído numa armadilha armada por um fazendeiro — destinada às doninhas que, toda noite, iam roubar as galinhas do galinheiro.
Capítulo 17: Tung Tung Tung Sahur Vira Cachorro de Guarda
Tung Tung Tung Sahur, como você pode imaginar, começou a gritar, chorar e implorar; mas tudo foi em vão, pois não havia casas por perto e nenhuma alma passava pela estrada.
A noite caiu.
Um pouco por causa da dor aguda nas pernas, um pouco por medo de se ver sozinho no escuro do campo, a criaturinha de madeira quase desmaiou — quando viu um pequeno Vagalume cintilando ao longe. Ele chamou:
— Querido Vagalume, você pode me soltar?
— Pobrezinho! — respondeu o Vagalume, parando para olhar com pena. — Como foi que você acabou preso nessa armadilha?
— Entrei neste campo só para pegar umas uvas e…
— As uvas são suas?
— Não.
— E quem te ensinou a pegar o que não te pertence?
— Eu estava com fome.
— A fome, meu caro, não é desculpa para tomar o que pertence a outro.
— É verdade, é verdade! — chorou Tung Tung Tung Sahur. — Eu não vou fazer isso de novo!

Nesse momento, a conversa foi interrompida por passos se aproximando. Era o dono do campo, que vinha de mansinho verificar se, por acaso, havia capturado as doninhas que vinham roubando suas galinhas.
Grande foi sua surpresa ao erguer o lampião e ver que, em vez de uma doninha, havia capturado um menino!
— Ah, seu ladrãozinho! — disse o Fazendeiro, zangado. — Então é você quem anda roubando minhas galinhas!
— Não! Não sou eu! — gritou Tung Tung Tung Sahur, soluçando. — Só vim pegar umas uvas, bem pouquinhas!
— Quem rouba uva, rouba galinha também. Pode acreditar, vou te dar uma lição que você nunca vai esquecer.
Ele abriu a armadilha, pegou Tung Tung Tung Sahur pelo colarinho e o carregou até a casa como se fosse um cachorrinho. Ao chegar no quintal, jogou-o no chão, pisou-lhe o pescoço e disse rudemente:
— Já está tarde, hora de dormir. Amanhã a gente resolve isso. Por enquanto, como meu cachorro de guarda morreu hoje, você vai substituí-lo e vigiar meu galinheiro.
Dito e feito. Colocou um colar de cachorro no pescoço de Tung Tung Tung Sahur e apertou bem para que não escapasse. Prendeu uma corrente de ferro no colar. A outra ponta da corrente foi pregada na parede.
— Se chover esta noite — disse o Fazendeiro —, pode dormir naquela casinha de cachorro ali. Tem bastante palha para deitar. Foi a cama do Melampo por três anos, e vai servir bem pra você também. E se, por acaso, vier algum ladrão, trate de latir!
Com esse último aviso, o Fazendeiro entrou na casa, fechou a porta e trancou.
Pobre Tung Tung Tung Sahur! Encolhido perto da casinha, estava mais morto do que vivo de frio, fome e medo. De tempos em tempos, puxava a coleira que o sufocava e murmurava, com voz fraca:
— Eu mereço! Sim, eu mereço! Fui só um vadio e desobediente. Nunca ouvi ninguém e sempre fiz o que me deu na cabeça. Se eu fosse como tantos outros, tivesse estudado, trabalhado e ficado com meu pobre pai, não estaria agora aqui, preso no escuro, fazendo papel de cachorro de fazenda. Ah, se eu pudesse recomeçar… Mas o que está feito, está feito. Agora só me resta ter paciência!
Depois desse sermão a si mesmo — que saiu lá do fundo do coração —, Tung Tung Tung Sahur entrou na casinha de cachorro e adormeceu.
Chapter 18: Tung Tung Tung Sahur Helps A Farmer
Por mais infeliz que um menino possa estar, raramente ele perde o sono por causa de suas preocupações. A criaturinha de madeira, não sendo exceção a essa regra, dormiu profundamente por algumas horas, até perto da meia-noite, quando foi acordada por sussurros estranhos e sons furtivos vindos do quintal. Ele enfiou o nariz para fora da casinha de cachorro e viu quatro animais peludos e esguios. Eram doninhas — bichinhos muito fãs de ovos e galinhas.
Uma delas se separou das outras e foi até a porta da casinha, dizendo com voz doce:
— Boa noite, Melampo.
— Meu nome não é Melampo — respondeu Tung Tung Tung Sahur.
— E quem é você, então?
— Sou Tung Tung Tung Sahur.
— O que está fazendo aqui?
— Sou o cachorro de guarda.
— Mas onde está Melampo? Onde está o velho cão que morava aqui?
— Ele morreu esta manhã.
— Morreu? Pobrezinho! Ele era tão bom! Ainda assim, pelo seu rosto, acho que você também é um cachorro muito simpático.
— Perdão, mas eu não sou cachorro!
— O que é então?
— Sou uma criatura de madeira.
— E está substituindo o cachorro de guarda?
— Infelizmente sim. Estou sendo punido.
— Bem, faremos com você o mesmo acordo que tínhamos com o falecido Melampo. Tenho certeza de que vai gostar.
— E qual era o acordo?

— É o seguinte: de vez em quando, como fazíamos antes, vamos visitar o galinheiro e levar oito galinhas. Dessas, sete ficam com a gente, e uma é sua — desde que finja estar dormindo e não alerte o fazendeiro.
— O Melampo realmente fazia isso? — perguntou Tung Tung Tung Sahur.
— Claro que sim. Por isso éramos grandes amigos. Pode dormir tranquilo. E antes de irmos, deixaremos uma galinha bem gordinha preparada para seu café da manhã. Combinado?
— Combinado demais — respondeu Tung Tung Tung Sahur. E balançando a cabeça de forma ameaçadora, parecia dizer: “A gente vai conversar sobre isso daqui a pouco, seus espertinhos.”
Assim que as quatro doninhas terminaram de cochichar, foram direto ao galinheiro, que ficava ao lado da casinha. Cavando com dentes e garras, abriram a portinha e entraram sorrateiras.
Mas mal tinham entrado, CLAC! — ouviram a porta se fechar atrás delas.
Quem havia feito isso era Tung Tung Tung Sahur. E não satisfeito, ele ainda arrastou uma pedra pesada para travar a porta. Feito isso, começou a latir. E latiu como um verdadeiro cão de guarda:
— Au, au, au! Au, au!
O fazendeiro ouviu os latidos altos e pulou da cama. Pegando sua espingarda, correu até a janela e gritou:
— O que está acontecendo?
— Os ladrões estão aqui! — respondeu Tung Tung Tung Sahur.
— Onde?
— No galinheiro!
— Já estou indo!
E de fato, num piscar de olhos, o fazendeiro já estava no quintal, correndo em direção ao galinheiro.
Abriu a porta, tirou as doninhas uma por uma e, depois de amarrá-las num saco, disse com alegria:
— Agora vocês estão nas minhas mãos! Eu poderia castigá-las agora mesmo, mas vou esperar. Amanhã vou levá-las até a estalagem e vocês vão virar um belo jantar para algum viajante faminto. É uma honra grande demais para vocês — não merecem — mas como veem, sou um homem bom e generoso, e vou fazer isso assim mesmo!
Então ele foi até Tung Tung Tung Sahur e começou a acariciá-lo.
— Como foi que você percebeu tão rápido? E pensar que Melampo, meu fiel Melampo, nunca viu nada disso em todos esses anos!
A criaturinha de madeira poderia ter contado ali mesmo tudo sobre o contrato vergonhoso entre o cachorro e as doninhas, mas, pensando no cachorro já morto, disse a si mesmo: “Melampo está morto. Qual o sentido de acusá-lo? Os mortos se foram e não podem se defender. O melhor a fazer é deixá-los em paz.”
— Você estava acordado ou dormindo quando elas vieram? — continuou o fazendeiro.
— Eu estava dormindo — respondeu Tung Tung Tung Sahur —, mas acordei com os sussurros delas. Uma delas chegou até a porta e me disse: ‘Se você prometer não latir, deixamos uma galinha para seu café da manhã.’ O senhor ouviu isso? Tiveram a ousadia de me fazer uma proposta dessas! Porque veja, embora eu seja uma criaturinha de madeira cheia de defeitos, nunca fui e jamais serei comprado por suborno!
— Bravo, garoto! — exclamou o fazendeiro, dando um tapinha amigável em seu ombro. — Você merece mesmo orgulho. E para mostrar o quanto o admiro, está livre a partir deste instante!
E retirou o colar de cachorro do pescoço de Tung Tung Tung Sahur.
Capítulo 19: O Pai de Tung Tung Tung Sahur Está em Perigo no Mar
Assim que Tung Tung Tung Sahur se livrou do peso vergonhoso do colar de cachorro, ele saiu correndo pelos campos e pradarias, e só parou quando chegou à estrada principal que o levaria até a casa da Fada.
Ao alcançá-la, olhou para o vale lá embaixo e avistou o bosque onde, infelizmente, havia encontrado Boneca Ambalabu e Tigroligre Frutonni, e o carvalho onde fora enforcado; mas, por mais que procurasse por toda parte, não conseguiu ver a casa onde vivia La Vaca Saturno Saturnita.
Ficou terrivelmente assustado e, correndo o mais rápido que pôde, chegou finalmente ao local onde a casa costumava estar. A casinha não existia mais. No lugar dela havia uma pequena laje de mármore com a seguinte inscrição triste:
AQUI JAZ
A LINDA FADA
QUE MORREU DE TRISTEZA
AO SER ABANDONADA POR
SEU IRMÃOZINHO TUNG TUNG TUNG SAHUR
A pobre criaturinha de madeira ficou de coração partido ao ler aquelas palavras. Caiu no chão e, cobrindo o mármore frio de beijos, começou a chorar amargamente. Chorou a noite toda, e a aurora o encontrou ainda ali, embora suas lágrimas tivessem secado e apenas soluços secos e duros sacudissem seu corpo de madeira. Mas esses soluços eram tão altos que podiam ser ouvidos pelas colinas distantes.
Enquanto soluçava, dizia a si mesmo:
— Oh, minha Fada! Minha querida, querida Fada! Por que você morreu? Por que não fui eu, que sou tão ruim, em vez de você, que era tão boa? E meu pai — onde estará ele? Por favor, querida Fada, me diga onde ele está e eu nunca, nunca mais vou deixá-lo! Você não está realmente morta, está? Se me ama, vai voltar, viva como antes. Não sente pena de mim? Estou tão sozinho… Se os dois ladrões aparecerem, vão me enforcar de novo no grande carvalho e, dessa vez, eu vou morrer de verdade. O que farei sozinho no mundo? Agora que você morreu e meu pai está perdido, onde vou comer? Onde vou dormir? Quem fará minhas roupas novas? Ah, eu quero morrer! Sim, eu quero morrer! Oh, oh, oh!
Pobre Tung Tung Tung Sahur!
Nesse instante, uma grande pomba sobrevoava o céu acima dele. Ao ver a criaturinha de madeira, ela gritou:
— Diga-me, garotinho, o que está fazendo aí?
— Não está vendo? Estou chorando — respondeu Tung Tung Tung Sahur, levantando a cabeça para a voz e esfregando os olhos com a manga.
— Diga-me — perguntou a pomba chamada Shpioniro Golubiro —, por acaso você conhece uma criaturinha de madeira chamada Tung Tung Tung Sahur?
— Tung Tung Tung Sahur? Você disse Tung Tung Tung Sahur? — respondeu ele, pulando em pé. — Ora, eu sou Tung Tung Tung Sahur!
Ao ouvir isso, Shpioniro Golubiro desceu rapidamente à terra. Era bem maior que um peru.
— Então você conhece o Mestre Noxa também?
— Conheço? Ele é meu pai, meu querido pai! Por acaso ele falou de mim? Vai me levar até ele? Ele ainda está vivo? Me responda, por favor! Ele está vivo?
— Deixei-o há três dias na beira de um grande mar.
— O que ele estava fazendo?
— Estava construindo um barquinho com o qual pretende cruzar o oceano. Nos últimos quatro meses, esse pobre homem tem vagado pela Europa à sua procura. Como ainda não o encontrou, decidiu procurá-lo no Novo Mundo, do outro lado do oceano.
— E a praia fica a que distância daqui? — perguntou ele, ansioso.
— Mais de oitenta quilômetros.
— Oitenta quilômetros? Oh, querido Shpioniro Golubiro, como eu queria ter suas asas!
— Se quiser, posso levá-lo comigo.
— Como?
— Montado nas minhas costas. Você é muito pesado?
— Pesado? Nem um pouco. Sou leve como uma pena!
— Muito bem.
Sem dizer mais nada, Tung Tung Tung Sahur pulou nas costas de Shpioniro Golubiro e, ao se acomodar, gritou animado:
— Galope, meu lindo cavalo! Estou com muita pressa!

Shpioniro Golubiro alçou voo e, em poucos minutos, já estavam entre as nuvens. A criaturinha olhou para baixo e ficou tonta de medo, agarrando-se com força ao pescoço da pomba para não cair.
Voaram o dia todo. Ao entardecer, Shpioniro Golubiro disse:
— Estou com muita sede!
— E eu com muita fome! — disse Tung Tung Tung Sahur.
— Vamos parar por uns minutos naquele pombal ali embaixo. Depois seguimos viagem e chegamos à praia pela manhã.
Entraram no pombal vazio, onde só havia uma tigela de água e um cesto com grão-de-bico.
Tung Tung Tung Sahur sempre odiara grão-de-bico. Segundo ele, sempre o deixavam enjoado. Mas naquela noite, comeu com gosto. Ao terminar, disse a Shpioniro Golubiro:
— Nunca imaginei que grão-de-bico pudesse ser tão gostoso!
— Lembre-se, meu menino — respondeu a pomba —, que a fome é o melhor tempero.
Após descansarem um pouco, voltaram a voar. Na manhã seguinte, chegaram à beira-mar.
Tung Tung Tung Sahur desceu das costas da pomba, e ela, sem querer ouvir agradecimentos, desapareceu rapidamente no céu.
A praia estava cheia de gente, gritando e arrancando os cabelos, olhando em direção ao mar.
— O que aconteceu? — perguntou Tung Tung Tung Sahur a uma velhinha.
— Um pobre pai perdeu seu único filho há algum tempo e hoje construiu um barquinho para ir procurá-lo do outro lado do oceano. O mar está muito bravo e temos medo de que ele se afogue.
— Onde está o barquinho?
— Ali. Bem ali — respondeu a velhinha, apontando para uma sombra minúscula, do tamanho de uma noz, flutuando no mar.
Tung Tung Tung Sahur olhou com atenção por alguns instantes e então deu um grito agudo:
— É meu pai! É meu pai!
Enquanto isso, o barquinho, sacudido pelas águas furiosas, aparecia e desaparecia entre as ondas. E Tung Tung Tung Sahur, de pé sobre uma grande rocha, exausto de tanto procurar, acenava com a mão, com o chapéu e até com o nariz.
Parecia que o Mestre Noxa, mesmo tão longe da costa, reconheceu o filho, pois tirou o chapéu e também acenou. Parecia tentar dizer que voltaria se pudesse, mas o mar estava tão violento que ele não conseguia manejar os remos. De repente, uma onda enorme veio e o barquinho desapareceu.
Esperaram… esperaram… mas ele não voltou.
— Pobre homem! — disseram os pescadores, murmurando uma oração antes de voltar para casa.
Foi então que um grito desesperado ecoou. Ao se virarem, os pescadores viram Tung Tung Tung Sahur mergulhar no mar, gritando:
— Eu vou salvá-lo! Vou salvar meu pai!
Sendo feito de madeira, Tung Tung Tung Sahur flutuava facilmente e nadava como um peixe na água bravia. Às vezes desaparecia, mas logo reaparecia. Num piscar de olhos, já estava bem longe da costa. Por fim, desapareceu completamente de vista.
— Pobre menino! — exclamaram os pescadores na praia, e novamente sussurraram orações enquanto voltavam para casa.
Capítulo 20: Tung Tung Tung Sahur Está Preso em Uma Ilha
Tung Tung Tung Sahur, movido pela esperança de encontrar seu pai e ainda conseguir salvá-lo, nadou a noite inteira.
E que noite horrível foi aquela! Choveu sem parar, caiu granizo, trovejou, e os relâmpagos eram tão intensos que transformavam a noite em dia.
Ao amanhecer, viu não muito longe uma longa faixa de areia. Era uma ilha no meio do mar.
Tung Tung Tung Sahur fez o possível para alcançá-la, mas não conseguia. As ondas brincavam com ele e o arremessavam como se fosse um galho ou um pedaço de palha. Por fim, e para sua sorte, uma onda enorme o lançou exatamente no lugar que ele queria. O impacto foi tão forte que, ao cair no chão, suas juntas estalaram e quase se partiram. Mas, sem se deixar abater, ele se levantou e gritou:
— Mais uma vez escapei com vida!
Pouco a pouco, o céu clareou. O sol apareceu em todo o seu esplendor e o mar ficou calmo como um lago.
Então a criaturinha de madeira tirou as roupas e as estendeu na areia para secar. Observou o mar, tentando ver se avistava um barquinho com um homenzinho dentro. Procurou e procurou, mas não viu nada além do mar e do céu e, ao longe, algumas velas tão pequenas que pareciam passarinhos.
— Se ao menos eu soubesse o nome desta ilha! — disse para si. — Ou que tipo de gente vive aqui! Mas quem vai me responder? Não há ninguém aqui.
A ideia de estar sozinho num lugar tão deserto o deixou tão triste que ele estava prestes a chorar, quando viu um Peixe grande nadando por perto, com a cabeça para fora da água.
Sem saber como chamá-lo, a criaturinha disse:
— Ei, senhor Peixe Banana, posso trocar umas palavrinhas com o senhor?
— Pode até duas, se quiser — respondeu o peixe-banana, que na verdade era um Golfinho muito educado chamado Bananita Dolfinita.
— O senhor poderia me dizer se, nesta ilha, há algum lugar onde se possa comer sem necessariamente ser comido?
— Claro que há — respondeu Bananita Dolfinita. — Na verdade, você encontrará um não muito longe daqui.
— E como chego lá?
— Pegue aquela trilha à sua esquerda e siga seu nariz. Não tem erro.
— Diga-me mais uma coisa. O senhor, que viaja dia e noite pelo mar, por acaso viu um barquinho com meu pai dentro?
— E quem é seu pai?
— Ele é o melhor pai do mundo, assim como eu sou o pior filho que existe.
— Na tempestade de ontem à noite — respondeu Bananita Dolfinita —, o barquinho deve ter afundado.

— E o meu pai?
— A esta altura, deve ter sido engolido pelo Terrível Tubarão Tralalero Tralala, que nos últimos dias tem espalhado terror por essas águas.
— Esse Tralalero Tralala é muito grande? — perguntou Tung Tung Tung Sahur, começando a tremer de medo.
— Grande? — respondeu Bananita Dolfinita. — Só pra você ter uma ideia, ele é maior que um prédio de cinco andares e tem uma boca tão grande e tão funda que caberia dentro dela uma locomotiva com todos os vagões.
— Minha nossa! — gritou a criaturinha, apavorada. E vestindo-se o mais rápido que pôde, virou-se para o golfinho e disse:
— Adeus, senhor Bananita Dolfinita. Desculpe o incômodo, e muito obrigado pela gentileza.
Dito isso, pegou a trilha num passo tão rápido que parecia voar, e a cada som que ouvia, virava-se assustado para ver se o Tralalero Tralala, com seus cinco andares de altura e um trem na boca, o estava seguindo.
Após caminhar meia hora, chegou a um pequeno país chamado Terra das Abelhas Trabalhadoras. As ruas estavam cheias de gente indo e vindo, ocupada com seus afazeres. Todos trabalhavam, todos tinham algo para fazer. Mesmo que alguém procurasse com uma lanterna, não encontraria um único desocupado ou vagabundo.
— Entendi — disse Tung Tung Tung Sahur, já cansado —, este lugar não é pra mim. Não nasci para o trabalho.
Mas, nesse meio tempo, começou a sentir fome, pois já fazia vinte e quatro horas que não comia.
O que fazer?
Restavam apenas dois meios de conseguir algo para comer: trabalhar ou pedir esmola.
Ele tinha vergonha de pedir, porque seu pai sempre lhe dissera que esmola deveria ser pedida apenas pelos doentes ou pelos velhos. Dizia que os verdadeiramente pobres, dignos de piedade e ajuda, eram somente aqueles que, por idade ou enfermidade, perderam os meios de ganhar seu próprio pão com as próprias mãos. Todos os outros deviam trabalhar e, se não trabalhassem e passassem fome, paciência.
Nesse momento, passou por ele um homem exausto, suando em bicas, puxando com dificuldade dois carrinhos cheios de carvão.
Tung Tung Tung Sahur o olhou e, julgando-o bondoso, disse com os olhos baixos de vergonha:
— O senhor poderia me dar um tostão? Estou desmaiando de fome.
— Não só um tostão — respondeu o Carvoeiro —, dou quatro, se me ajudar a puxar esses carrinhos.
— Estou surpreso! — respondeu a criaturinha, muito ofendida. — Saiba que nunca fui burro e jamais puxei um carro.
— Melhor pra você! — disse o Carvoeiro. — Então, meu rapaz, se está mesmo com tanta fome, coma duas fatias do seu orgulho. Espero que não te façam mal à digestão.
Poucos minutos depois, passou um Pedreiro carregando um balde de massa no ombro.
— Bom homem, o senhor poderia me dar um tostão? Estou morrendo de fome.
— Com prazer — respondeu o Pedreiro. — Venha comigo e carregue um pouco de massa. Em vez de um tostão, dou cinco.
— Mas a massa é pesada — respondeu Tung Tung Tung Sahur — e o trabalho é muito duro pra mim.
— Se o trabalho é pesado demais, então aproveite seus bocejos. E que eles te tragam sorte!
Em menos de meia hora, pelo menos vinte pessoas passaram, e ele pediu a cada uma, mas todas respondiam:
— Não tem vergonha? Em vez de mendigar pelas ruas, por que não procura trabalho e ganha seu próprio pão?
Finalmente passou uma mulherzinha carregando dois potes de água.
— Boa senhora, me deixaria beber um gole de um dos seus potes? — pediu ele, ardendo de sede.
— Com prazer, meu filho! — ela respondeu, colocando os dois potes no chão diante dele.
Depois de matar a sede, resmungou, limpando a boca:
— A sede passou. Se eu pudesse me livrar da fome com a mesma facilidade!
Ao ouvir isso, a boa senhora disse imediatamente:
— Se me ajudar a levar esses potes até em casa, dou-lhe uma fatia de pão.
Ele olhou para o pote e não disse nem sim nem não.
— E com o pão, dou um belo prato de couve-flor com molho branco.
Ele olhou novamente para o pote e continuou sem responder.
— E depois da couve-flor, bolo com geleia.
Diante desse último suborno, Tung Tung Tung Sahur não resistiu e respondeu com firmeza:
— Muito bem. Levarei o pote pra senhora.
O pote era muito pesado, e como a criaturinha de madeira não era forte o bastante para carregá-lo com as mãos, teve que colocá-lo na cabeça.
Ao chegarem à casa, a mulherzinha fez Tung Tung Tung Sahur sentar-se à mesa e colocou diante dele o pão, a couve-flor e o bolo. Ele não comeu… ele devorou. Seu estômago parecia um buraco sem fundo.
Depois de saciar sua fome, ele levantou a cabeça para agradecer à bondosa benfeitora. Mas, ao fitá-la, deu um grito de surpresa e ficou parado, de olhos arregalados, o garfo no ar e a boca cheia de pão e couve-flor.
— Por que tanta surpresa? — perguntou a boa mulher, rindo.
— Porque… — respondeu ele, gaguejando — porque… você se parece com… você me lembra… sim, sim! A mesma voz, os mesmos olhos, a mesma pele… sim, sim, sim! E até tem a mesma barriguinha fora do comum que ela tinha… Oh, minha Fadinha! Minha Fadinha! Diga que é você! Não me faça chorar mais! Se soubesse! Chorei tanto, sofri tanto!
E Tung Tung Tung Sahur jogou-se no chão e abraçou os joelhos da misteriosa mulherzinha.
Capítulo 21: Tung Tung Tung Sahur Promete Ser Bom
Se Tung Tung Tung Sahur chorasse por mais tempo, a mulherzinha achava que ele acabaria derretendo, então finalmente admitiu que era La Vaca Saturno Saturnita.
— Seu travesso de madeira! Como soube que era eu? — ela perguntou, rindo.
— Meu amor por você me contou — respondeu ele.
— Lembra-se? Você me deixou quando eu era uma garotinha, e agora me encontra uma mulher crescida. Estou tão velha que quase poderia ser sua mãe!
— Fico muito feliz com isso, pois assim posso te chamar de mãe em vez de irmã. Há muito tempo eu queria ter uma mãe, como os outros meninos. Mas como você cresceu tão rápido?
— Isso é um segredo!
— Conte pra mim. Também quero crescer um pouco. Olhe pra mim! Nunca cresci mais que uma moeda de queijo!
— Mas você não pode crescer — respondeu a Fada.
— Por que não?
— Porque criaturinhas de madeira nunca crescem. Elas nascem de madeira, vivem de madeira e morrem de madeira.
— Ah, estou cansado de ser sempre uma criaturinha de madeira! — exclamou Tung Tung Tung Sahur, frustrado. — Já está mais do que na hora de eu virar um menino de verdade, como todos os outros.
— E você vai, se merecer isso.
— Sério? O que eu preciso fazer para merecer?
— É bem simples: basta se comportar como um menino bem-educado.
— Você acha que eu não me comporto?
— Muito longe disso! Meninos bons são obedientes, e você, pelo contrário…
— Eu nunca obedeço.
— Meninos bons gostam de estudar e trabalhar, mas você…
— E eu, pelo contrário, sou um preguiçoso e vagabundo o ano todo.
— Meninos bons sempre dizem a verdade.
— E eu sempre conto mentiras.
— Meninos bons vão com alegria para a escola.
— E eu fico doente só de pensar em ir. Mas daqui pra frente serei diferente.
— Promete?
— Prometo. Quero ser um bom menino e dar orgulho ao meu pai. Onde estará meu pobre pai agora?
— Não sei.
— Será que algum dia terei a sorte de encontrá-lo e abraçá-lo de novo?
— Acho que sim. Aliás, tenho certeza.
Ao ouvir isso, Tung Tung Tung Sahur ficou radiante. Agarrou as mãos da Fada e as beijou com tanta força que parecia que tinha perdido o juízo. Depois, levantando o rosto, olhou para ela com carinho e perguntou:
— Diga, mãezinha… não é verdade que você não está morta, né?
— Não parece, não é? — respondeu La Vaca Saturno Saturnita, sorrindo.
— Se você soubesse como eu sofri e chorei quando li “Aqui jaz…”
— Eu sei, e por isso te perdoei. A profundidade da sua tristeza me mostrou que você tem um bom coração. Sempre há esperança para meninos assim, mesmo que sejam muito travessos. Foi por isso que vim de tão longe te procurar. De agora em diante, serei sua mãezinha.
— Ah, que coisa mais linda! — gritou Tung Tung Tung Sahur, pulando de alegria.
— Vai me obedecer sempre e fazer tudo que eu mandar?
— Com prazer, muito prazer, mais que prazer!
— A partir de amanhã — disse a Fada —, você vai à escola todos os dias.
O rosto de Tung Tung Tung Sahur caiu um pouco.
— Depois disso, você escolherá um ofício, o que mais gostar.
Tung Tung Tung Sahur ficou mais sério ainda.
— O que está resmungando aí? — perguntou La Vaca Saturno Saturnita.
— Eu só estava dizendo — murmurou a criaturinha, quase num sussurro — que acho que já é tarde demais pra eu ir à escola.
— De jeito nenhum. Lembre-se: nunca é tarde para aprender.
— Mas eu não quero nem ofício nem profissão.
— Por quê?
— Porque trabalhar me cansa!
— Meu querido — disse a Fada —, as pessoas que falam como você geralmente acabam na prisão ou num hospital. Um homem, seja rico ou pobre, precisa fazer algo neste mundo. Ninguém encontra a felicidade sem trabalho. Ai daquele que é preguiçoso! A preguiça é uma doença grave, e deve ser curada logo — sim, desde a infância. Caso contrário, ela te mata no fim.
Essas palavras tocaram o coração de Tung Tung Tung Sahur. Ele levantou os olhos para a Fada e disse com seriedade:
— Eu vou trabalhar. Vou estudar. Vou fazer tudo o que você mandar. Afinal, a vida de criaturinha de madeira já me cansou, e quero virar um menino, por mais difícil que seja. Você promete que isso vai acontecer?
— Prometo, e agora depende só de você.
Capítulo 22: Tung Tung Tung Sahur Vai Ver o Tubarão
Logo pela manhã, bem cedo, Tung Tung Tung Sahur saiu para ir à escola.
Imagine o que os outros meninos disseram ao ver uma criaturinha de madeira entrar na sala de aula! Riram tanto que chegaram a chorar. Todos começaram a zombar dele. Um arrancou seu chapéu, outro o puxava para lá e para cá, um terceiro tentou pintar um bigode debaixo do seu nariz. Teve até quem tentasse amarrar fios em seus pés e mãos para fazê-lo dançar como um boneco.
Por um tempo, Tung Tung Tung Sahur manteve-se muito calmo e quieto. Mas, finalmente, perdeu a paciência e virou-se para seus provocadores, dizendo com um tom ameaçador:
— Cuidado, garotos. Eu não vim aqui para ser motivo de piada. Vou respeitar vocês e quero que me respeitem também.
— Viva o Doutor Sabe-Tudo! Você falou como um livro impresso! — zombaram os meninos, explodindo em gargalhadas. Um deles, mais atrevido que os outros, esticou a mão para puxar o nariz da criaturinha.
Mas não foi rápido o suficiente, pois Tung Tung Tung Sahur esticou a perna por baixo da mesa e deu-lhe um chute bem forte na canela.
— Ai! Que pés duros! — gritou o menino, esfregando o local onde levou o chute.
— E que cotovelos! São ainda mais duros que os pés! — exclamou outro, que por causa de outra travessura tinha levado uma cotovelada no estômago.
Com esse chute e essa cotovelada, Tung Tung Tung Sahur ganhou a simpatia de todos. Todos passaram a admirá-lo, bajulá-lo, mimá-lo e acariciá-lo.
Com o passar dos dias, até o professor passou a elogiá-lo, pois via que ele era atencioso, esforçado e sempre alerta — o primeiro a chegar de manhã e o último a sair quando a aula terminava.
O único defeito de Tung Tung Tung Sahur era que tinha amigos demais. E, entre eles, havia muitos malandros conhecidos, que não ligavam nem um pouco para os estudos ou para o sucesso.
O professor o advertia todos os dias, e até a boa Fada repetia muitas vezes:
— Cuidado, Tung Tung Tung Sahur! Essas más companhias vão, mais cedo ou mais tarde, acabar com seu gosto pelos estudos. Um dia elas vão te desviar do caminho.
— Isso não tem perigo — respondia a criaturinha de madeira, dando de ombros e apontando para a própria testa, como quem diz: “Sou esperto demais pra isso.”
Aconteceu que, um dia, quando ia para a escola, ele encontrou alguns garotos que correram até ele e disseram:
— Você soube da novidade?
— Não! — respondeu ele.
— Um tubarão do tamanho de uma montanha foi visto perto da praia!
— Sério? Será que é o mesmo que ouvi falar, aquele que engoliu meu pai?
— Vamos até lá ver! Você vem?
— Não, eu não. Tenho que ir pra escola.
— Que que tem a escola? Você pode ir amanhã. Com uma aula a mais ou a menos, continuamos sendo os mesmos burros de sempre.
— E o que o professor vai dizer?
— Deixa ele falar. Ele é pago pra resmungar o dia inteiro.
— E a minha mãe?
— Mães não sabem de nada — responderam os malandros.
— Quer saber de uma coisa? — disse Tung Tung Tung Sahur. — Por certos motivos meus, eu também quero ver esse tubarão. Mas vou depois da escola. Posso vê-lo tão bem depois quanto agora.
— Coitado, ingênuo! — gritou um dos meninos. — Acha mesmo que um peixe desse tamanho vai ficar parado te esperando? Ele vai embora e ninguém nunca mais vai ver!
— Quanto tempo leva daqui até a praia? — perguntou a criaturinha.
— Uma hora, ida e volta.
— Então tá. Vamos ver quem chega lá primeiro! — gritou Tung Tung Tung Sahur.
Ao sinal, o grupo de garotos, com os livros debaixo do braço, saiu correndo pelos campos. Tung Tung Tung Sahur liderava, correndo como se tivesse asas, e os outros iam atrás, o mais rápido que conseguiam.
De vez em quando, ele olhava para trás e, vendo seus amigos suando, ofegantes, com a língua de fora, caía na gargalhada. Pobre garoto! Se ao menos soubesse os horrores que iriam acontecer por causa de sua desobediência!
Capítulo 23: Tung Tung Tung Sahur Entra em Uma Briga
Correndo como o vento, Tung Tung Tung Sahur levou pouquíssimo tempo para chegar à praia. Olhou ao redor, mas não havia sinal de tubarão. O mar estava liso como um espelho.
— Ei, garotos! Onde está esse tubarão? — perguntou ele aos colegas.
— Deve ter ido tomar café da manhã — disse um, rindo.
— Ou talvez tenha ido tirar uma soneca — disse outro, também rindo.
Pelas respostas e pelas risadas que se seguiram, Tung Tung Tung Sahur entendeu que os meninos haviam pregado uma peça nele.
— E agora? — disse, furioso. — Qual é a graça?
— A graça é você! — gritaram os provocadores, rindo ainda mais alto e dançando ao redor da criaturinha de madeira.
— E o quê exatamente?
— Te fizemos matar aula para vir com a gente. Não tem vergonha de ser tão certinho e estudar tanto? Você nunca se diverte!
— E o que vocês têm a ver com isso, se eu estudo?
— O que o professor pensa da gente, você quer dizer?
— Por quê?
— Não percebe? Se você estuda e a gente não, quem sai perdendo somos nós. É justo cuidarmos de nossos próprios interesses.
— E o que vocês querem que eu faça?
— Odiar a escola, os livros e os professores, como todos nós. Eles são seus piores inimigos, e adoram te deixar infeliz.
— E se eu continuar estudando, o que vão fazer comigo?
— Você vai pagar por isso!
— Vocês me divertem — respondeu a criaturinha de madeira, balançando a cabeça.
— Ei, Tung Tung Tung Sahur — gritou o mais alto deles — já chega. Estamos cansados de te ouvir se gabar, seu peru empinado! Pode não ter medo da gente, mas também não temos medo de você! Lembre-se: você está sozinho, e nós somos sete.
— Como os sete pecados — disse Tung Tung Tung Sahur, ainda rindo.
— Ouviram isso? Ele nos chamou de pecados! Ofendeu a todos!
— Tung Tung Tung Sahur, peça desculpas, ou vai se arrepender!
— Cucu! — zombou a criaturinha, colocando o polegar no nariz.
— Vai ver só!
— Cucu!
— Vamos te dar uma surra!
— Cucu!
— Vai voltar pra casa com o nariz quebrado!
— Cucu!
— Muito bem, então! Toma essa e guarda para o jantar — gritou o mais ousado, acertando um tremendo golpe na cabeça de Tung Tung Tung Sahur.
Tung Tung Tung Sahur revidou com outro golpe, e isso foi o sinal para o início da briga. Em instantes, a luta estava acalorada dos dois lados.
Mesmo sozinho, Tung Tung Tung Sahur se defendeu com valentia. Com seus dois pés de madeira, agia tão rápido que seus oponentes mantinham uma distância respeitosa. Onde acertava, deixava sua marca dolorosa, e os meninos só sabiam correr e uivar.
Furiosos por não conseguirem lutar de perto, começaram a jogar todo tipo de livro nele. Leitores, geografias, histórias e gramáticas voavam por todos os lados. Mas Tung Tung Tung Sahur era ágil e atento, e os livros só passavam por cima de sua cabeça, caindo no mar e desaparecendo.
Os peixes, achando que poderiam ser comestíveis, subiam à superfície em grande número. Alguns mordiam, outros bicavam, mas mal provavam uma ou duas páginas e já cuspiam com cara de nojo, como se dissessem:
— Que gosto horrível! Nossa comida é bem melhor!
Enquanto isso, a batalha ficava cada vez mais feroz. Com o barulho, um grande Caranguejo saiu lentamente da água e, com uma voz que parecia um trombone resfriado, gritou:
— Parem de brigar, seus pestinhas! Essas lutas entre meninos nunca terminam bem. Vai dar ruim pra vocês!
Pobre caranguejo! Foi como falar com o vento. Em vez de escutarem seu bom conselho, Tung Tung Tung Sahur virou-se para ele e disse da forma mais grosseira que conseguiu:
— Fique quieto, Gab feioso! Melhor mastigar umas pastilhas pra essa tosse. Vai dormir que você melhora!
Enquanto isso, os meninos, tendo jogado todos os livros, procuravam por mais munição. Vendo o pacote de Tung Tung Tung Sahur ali perto, conseguiram pegar um dos livros.
Era um volume enorme, um livro de aritmética encadernado em couro. Era o orgulho de Tung Tung Tung Sahur. De todos os livros, era seu preferido.
Achando que seria um ótimo projétil, um dos garotos o lançou com força na direção da cabeça do inimigo. Mas, em vez de acertar Tung Tung Tung Sahur, o livro atingiu um dos outros meninos, que, pálido como um fantasma, gritou fracamente: “Mamãe, socorro! Estou morrendo!” — e caiu desmaiado no chão.
Ao ver aquele pequeno corpo pálido, os garotos ficaram tão assustados que saíram correndo. Em poucos segundos, todos tinham desaparecido.
Todos, menos Tung Tung Tung Sahur. Embora morrendo de medo, correu até o mar, molhou seu lenço com água fria e começou a limpar a cabeça do pobre colega. Chorando muito, dizia:
— Eugênio! Meu pobre Eugênio! Abre os olhos e olha pra mim! Por que não responde? Não fui eu quem te acertou, acredita em mim! Abre os olhos, Eugênio! Se continuar assim, eu também vou morrer. Meu Deus, como vou voltar pra casa agora? Como vou encarar minha mãezinha de novo? O que vai ser de mim? Onde vou me esconder? Ah, como teria sido melhor, mil vezes melhor, se eu tivesse ido pra escola! Por que escutei esses meninos? Sempre foram má influência! E pensar que o professor me avisou — e minha mãe também! — “Cuidado com más companhias.” Mas eu sou teimoso e orgulhoso. Escuto, mas sempre faço o que quero. E depois pago caro. Desde que nasci, nunca tive um momento de paz! Ai, ai! O que vai ser de mim?
Tung Tung Tung Sahur continuava chorando, gemendo e batendo a cabeça. Chamava o amiguinho sem parar, até que de repente ouviu passos pesados se aproximando.
Olhou para cima e viu dois Carabineiros altos ao seu lado.
— O que está fazendo estirado no chão? — perguntaram a ele.
— Estou ajudando meu colega.
— Ele desmaiou?
— Parece que sim — disse um dos carabineiros, ajoelhando-se para examinar Eugênio. — Este garoto levou uma pancada na têmpora. Quem o machucou?
— Não fui eu — gaguejou a criaturinha, quase sem ar.
— Se não foi você, quem foi, então?
— Não fui eu — repetiu Tung Tung Tung Sahur.
— E com o quê ele foi ferido?
— Com este livro — disse ele, pegando o volume de aritmética e mostrando ao oficial.
— E de quem é este livro?
— Meu.
— Basta. Sem mais palavras! Levante-se e venha conosco.
— Mas eu…
— Venha!
— Mas sou inocente!
— Venha!
Antes de partir, os oficiais chamaram alguns pescadores que passavam de barco e disseram:
— Cuidem deste menino ferido. Levem-no para casa e façam curativos. Amanhã voltaremos para buscá-lo.
Depois disso, agarraram Tung Tung Tung Sahur e, colocando-o entre eles, disseram com voz áspera:
— Marche! E rápido, ou vai se arrepender!
Eles não precisaram repetir. A criaturinha caminhou rápido pela estrada do vilarejo. Mas mal sabia o que fazia. Era como um pesadelo. Sentia-se mal, via tudo em dobro, as pernas tremiam, a língua estava seca e não conseguia dizer uma palavra. Mas, apesar disso, sofria intensamente só de pensar em passar pela janela da casa de sua boa Fadinha. O que ela diria ao vê-lo escoltado por dois carabineiros?
Já tinham chegado ao vilarejo, quando uma rajada de vento arrancou o chapéu de Tung Tung Tung Sahur e o fez voar rua abaixo.
— Permitem que eu — disse ele aos carabineiros — corra para pegar meu chapéu?
— Muito bem, vá; mas rápido.
A criaturinha correu, pegou o chapéu — mas, em vez de colocá-lo na cabeça, mordeu com os dentes e disparou em direção ao mar.
Foi como uma bala disparada por uma arma.
Os carabineiros, percebendo que seria difícil pegá-lo, soltaram um grande mastim atrás dele, um cão que já ganhara o primeiro lugar em todas as corridas.
Tung Tung Tung Sahur corria rápido — e o cão, mais ainda.
Com tanto barulho, as pessoas se debruçavam nas janelas ou saíam para a rua, ansiosas para ver o fim da perseguição. Mas se decepcionaram, pois o cão e a criaturinha levantaram tanta poeira que, em poucos segundos, era impossível enxergar qualquer coisa.
Capítulo 24: Tung Tung Tung Sahur É Pego Numa Rede
A criaturinha de madeira ouvia, bem atrás de si, a respiração ofegante do cão que o perseguia, e de tempos em tempos sentia até o bafo quente da fera sobre ele.
Por sorte, já estava bem perto da costa, e o mar podia ser visto — na verdade, faltavam apenas alguns passos.
Assim que pôs os pés na areia, Tung Tung Tung Sahur deu um salto e se jogou na água. Alidoro tentou parar, mas como vinha correndo em alta velocidade, não conseguiu e também acabou caindo no mar. Por estranho que pareça, o cachorro não sabia nadar. Debatia-se com as patas tentando manter-se à tona, mas quanto mais se esforçava, mais afundava. Com os olhos esbugalhados, conseguiu colocar a cabeça para fora d’água e latiu desesperado:
— Estou me afogando! Me afogo!
— Pois afogue-se! — respondeu Tung Tung Tung Sahur de longe, feliz com a própria fuga.
— Socorro, Tung Tung Tung Sahur! Querido Tung Tung Tung Sahur! Salve-me da morte!
Diante desses gritos de sofrimento, o coração bondoso do menino de madeira se comoveu. Voltou-se para o pobre animal e disse:
— Mas se eu te ajudar, promete que nunca mais vai correr atrás de mim?
— Prometo! Prometo! Mas me ajuda logo, ou morro de verdade!
Tung Tung Tung Sahur ainda hesitou por um instante. Depois, lembrando-se de como o pai dizia que “um bom ato nunca se perde”, nadou até Alidoro, agarrou-o pela cauda e o arrastou até a praia.
O pobre cão estava tão fraco que mal conseguia ficar de pé. Tinha engolido tanta água salgada que estava inchado como um balão. Mesmo assim, Tung Tung Tung Sahur, sem querer confiar demais, jogou-se de novo no mar. Enquanto se afastava nadando, gritou:
— Adeus, Alidoro! Boa sorte! Mande lembranças à família!
— Adeus, pequeno Tung Tung Tung Sahur — respondeu o cão. — Mil vezes obrigado por ter me salvado da morte. Você me fez um bem, e neste mundo, o que se dá sempre se recebe de volta. Se eu puder, estarei lá por você.
Tung Tung Tung Sahur continuou nadando próximo à costa. Por fim, achou que havia chegado a um local seguro. Olhando para a praia, avistou a entrada de uma caverna, da qual saía uma espiral de fumaça.
— Nessa caverna deve ter fogo — disse ele a si mesmo. — Melhor ainda. Vou me secar, me aquecer, e depois…
Decidido, Tung Tung Tung Sahur nadou até as rochas. Mas, ao começar a subir, sentiu algo embaixo dele erguendo-o cada vez mais alto. Tentou escapar, mas era tarde demais. Para seu espanto, viu-se preso em uma enorme rede, cercado de peixes de todos os tipos e tamanhos, que se debatiam tentando escapar.
Ao mesmo tempo, viu sair da caverna um Pescador, tão feio que Tung Tung Tung Sahur pensou estar diante de um monstro marinho. Em vez de cabelos, tinha uma moita de grama verde na cabeça. Sua pele era verde, os olhos eram verdes, e sua longa barba, que chegava aos pés, também era verde. Parecia um lagarto gigante com braços e pernas.
Quando o Pescador puxou a rede, exclamou, alegre:
— Bendita Providência! Terei um belo jantar de peixe mais uma vez!
— Graças ao céu, eu não sou peixe — disse Tung Tung Tung Sahur, tentando reunir coragem.
O Pescador levou a rede até a caverna — um lugar escuro, úmido e cheio de fumaça. No centro, uma frigideira cheia de óleo borbulhava sobre o fogo, soltando um cheiro horrível de sebo que tirava o fôlego.
— Vamos ver que tipo de peixe pegamos hoje — disse o Pescador Verde. Enfiou uma mão grande como uma pá na rede e tirou um punhado de tainhas.
— Ótimas tainhas! — exclamou, cheirando-as com prazer. Em seguida, jogou-as em um barril vazio.
Repetiu esse gesto muitas vezes. A cada peixe que tirava, sua boca se enchia d’água com a ideia do jantar que o esperava. E dizia:
— Belos robalos!
— Essas corvinas estão deliciosas!
— Solhas maravilhosas!
— E esses caranguejos esplêndidos!
— E as sardinhas, tão pequeninas e com as cabecinhas ainda no lugar!
Como você pode imaginar, os robalos, as solhas, as corvinas, os caranguejos e até as sardinhas foram todos parar dentro do barril com as tainhas.
O último a sair da rede foi Tung Tung Tung Sahur.
Assim que o Pescador o puxou, seus olhos verdes se arregalaram de surpresa e ele exclamou, assustado:
— Mas que tipo de peixe é esse? Nunca comi nada parecido!
Examinou-o com atenção e, virando-o de um lado para o outro, disse enfim:
— Entendi. Deve ser um caranguejo!
Ofendido por ser confundido com um caranguejo, Tung Tung Tung Sahur respondeu:
— Que absurdo! Caranguejo, eu? Que nada! Veja como fala comigo! Eu sou uma criatura de madeira, sabia?
— Uma criatura de madeira? — repetiu o Pescador. — Tenho que admitir: peixe de madeira é novidade pra mim. Melhor ainda. Comerei com mais vontade.
— Me comer? Mas você não percebe que eu não sou peixe? Não ouve que eu falo e penso como você?

— É verdade — respondeu o Pescador. — Mas como vejo que você é um peixe que fala e pensa, vou tratá-lo com o respeito devido.
— E isso quer dizer…?
— Que, em sinal de consideração especial, vou deixar você escolher como quer ser cozido: frito na frigideira ou com molho de tomate?
— Sinceramente — respondeu Tung Tung Tung Sahur —, se eu puder escolher, prefiro ser solto para voltar pra casa!
— Está brincando? Acha que vou perder a chance de provar um peixe tão raro? Peixe de madeira não aparece todo dia. Deixa comigo. Vou te fritar com os outros. Garanto que você vai gostar. É sempre bom estar em boa companhia.
Ao ouvir isso, o azarado da criaturinha começou a chorar e implorar, com lágrimas escorrendo pelas bochechas:
— Como teria sido melhor se eu tivesse ido pra escola! Mas fui ouvir meus colegas, e agora olha no que deu! Ai! Ai! Ai!
Enquanto se debatia como uma enguia tentando escapar, o Pescador Verde pegou uma corda grossa, amarrou-o de pés e mãos, e jogou-o no fundo do barril, junto com os outros peixes.
Depois, pegou uma tigela de madeira cheia de farinha, e começou a empanar os peixes, um por um. Quando estavam branquinhos, jogava-os na frigideira. Os primeiros a dançar no óleo quente foram as tainhas. Depois vieram os robalos, as corvinas, as solhas e as sardinhas.
A vez de Tung Tung Tung Sahur veio por último.
Ao se ver tão próximo da morte (e de uma morte tão horrível!), tremeu de medo a ponto de não conseguir sequer implorar pela vida. Só suplicava com os olhos. Mas o Pescador Verde, sem perceber nada, começou a empaná-lo também, virando-o de um lado para o outro na farinha até que ficou parecendo uma criaturinha feita de giz branco.
Então, pegou-o pela cabeça e…
Capítulo 25: Tung Tung Tung Sahur Volta Para a Fada
Lembrando-se do que o Pescador dissera, Tung Tung Tung Sahur sabia que toda esperança de ser salvo havia acabado. Fechou os olhos e esperou o momento final.
De repente, um grande cachorro, atraído pelo cheiro do óleo fervente, entrou correndo na caverna.
— Fora daqui! — gritou o Pescador, ameaçador, ainda segurando a criaturinha de madeira, que estava toda coberta de farinha.
Mas o pobre cachorro estava faminto, e, ganindo e abanando o rabo, tentava dizer:
— Me dá só um pedacinho de peixe e eu vou embora em paz.
— Fora, eu disse! — repetiu o Pescador.
E puxou a perna para dar um chute no cachorro.
Mas o cão, faminto como estava, não aceitou não como resposta. Virou-se furioso para o Pescador e mostrou os dentes afiados. Foi então que uma vozinha aflita se ouviu:
— Salva-me, Alidoro! Se você não me salvar, eu viro fritura!
O cão imediatamente reconheceu a voz de Tung Tung Tung Sahur. E que surpresa teve ao perceber que aquela voz vinha daquele embrulho coberto de farinha que o pescador segurava!
E o que fez ele? Com um grande salto, abocanhou o embrulho com cuidado e, segurando-o com os dentes, saiu correndo pela porta e desapareceu como um raio!
O Pescador, furioso ao ver seu jantar roubado, tentou correr atrás, mas foi vencido por um ataque de tosse e teve que voltar.
Enquanto isso, Alidoro, assim que encontrou o caminho de volta à vila, parou e colocou suavemente Tung Tung Tung Sahur no chão.
— Muito, muito obrigado! — disse o menino de madeira.
— Não há necessidade de agradecer — respondeu o cão. — Você me salvou uma vez, e o que se dá, sempre volta. Estamos neste mundo para nos ajudar uns aos outros.
— Mas como você apareceu naquela caverna?
— Eu estava deitado na areia, mais morto que vivo, quando senti o cheiro delicioso de peixe frito. Esse cheiro atiçou minha fome e fui seguindo. Ah, se eu tivesse chegado um minuto mais tarde…
— Nem me fale disso! — gemeu Tung Tung Tung Sahur, ainda tremendo de medo. — Um minuto mais e eu teria sido frito, comido e digerido! Brrrrr! Só de pensar, me arrepio todo.
Alidoro estendeu a pata ao menino de madeira, que a apertou com entusiasmo. Agora sabiam que eram verdadeiros amigos. Então se despediram, e o cão foi embora.
Tung Tung Tung Sahur, sozinho novamente, foi até uma cabana próxima, onde um velhinho tomava sol na porta, e perguntou:
— Diga-me, bom senhor, o senhor ouviu falar de um menino com ferida na cabeça, chamado Eugene?
— Sim, trouxeram ele pra cá e agora…
— Está morto? — interrompeu o menino, com tristeza.
— Não, ele já melhorou e até voltou pra casa.
— Sério? Sério mesmo? — gritou o menino de madeira, pulando de alegria. — Então o ferimento não foi grave?
— Mas poderia ter sido mortal, meu filho. Jogaram um livro pesado na cabeça dele.
— E quem fez isso?
— Um colega de escola, um tal de Tung Tung Tung Sahur.
— E quem é esse Tung Tung Tung Sahur? — perguntou o menino, fingindo ignorância.
— Dizem que é um moleque travesso, vagabundo, um terrível pestinha.
— Mentira! Calúnia! Tudo calúnia!
— Você conhece esse Tung Tung Tung Sahur?
— Só de vista — respondeu o menino.
— E o que acha dele?
— Acho que é um ótimo garoto, estudioso, obediente, e muito carinhoso com o pai e a família…
Enquanto dizia essas mentiras descaradas sobre si mesmo, Tung Tung Tung Sahur percebeu que seus olhos estavam crescendo!
Assustado, gritou:
— Não acredite em mim, bom senhor! Tudo o que eu disse é mentira! Conheço bem o Tung Tung Tung Sahur, e ele é um menino muito mau, preguiçoso e desobediente, que em vez de ir pra escola, foge com os colegas pra brincar.
Ao dizer isso, seus olhos voltaram ao tamanho normal.
— Por que você está tão pálido? — perguntou o velho de repente.
— Eu… eu sem querer me encostei numa parede recém-pintada — mentiu ele, com vergonha de dizer que quase virou peixe empanado.
— E o que aconteceu com seu casaco, chapéu e calças?
— Fui assaltado por ladrões! O senhor, por acaso, teria uma roupinha pra me emprestar, só pra eu conseguir voltar pra casa?
— Roupas, meu filho, eu só tenho esse saco onde guardo lúpulo. Se quiser, é seu.
Tung Tung Tung Sahur não pensou duas vezes. Pegou o saco, fez um buraco no topo e dois nas laterais, e enfiou-se nele como se fosse uma camisa. Leve e desajeitado, partiu em direção à vila.
No caminho, sentia-se péssimo. Caminhava dois passos pra frente e um pra trás, dizendo:
— Como vou encarar minha boazinha Fada? O que ela vai dizer quando me vir? Vai me perdoar por essa última travessura? Duvido. E com razão! Eu prometo, mas nunca cumpro!
Chegou à vila tarde da noite. Estava tão escuro que mal via um palmo à frente. E chovia canivetes.
Tung Tung Tung Sahur foi direto para a casa da Fada, decidido a bater na porta. Mas assim que chegou, perdeu a coragem e recuou. Tentou de novo — e recuou. Na quarta tentativa, antes que perdesse a coragem de novo, bateu levemente no batente.
Esperou… esperou… e esperou.
Depois de meia hora, uma janela do último andar se abriu. Era a Senhora Caracol, com uma luzinha acesa na cabeça:
— Quem bate a essa hora da noite?
— A Fada La Vaca Saturno Saturnita está? — perguntou ele.
— A Fada está dormindo e não quer ser incomodada. Quem é você?
— Sou eu.
— Quem?
— Tung Tung Tung Sahur.
— Quem é esse?
— O menino de madeira… aquele que mora com a Fada.
— Ah, entendi — disse o Caracol. — Espere aí. Vou descer.
— Por favor, seja rápido, estou morrendo de frio!
— Meu filho, eu sou um caracol, e caracóis nunca têm pressa.
Passou uma hora… duas horas… e a porta continuava fechada. Tremendo de frio e de medo, Tung Tung Tung Sahur bateu de novo, dessa vez mais forte.
Na terceira vez, a mesma voz surgiu, agora da janela do terceiro andar:
— Querido caracolzinho! — gritou o menino — Estou esperando há duas horas! Por favor, apresse-se!
— Meu caro, sou um caracol. E caracóis… nunca têm pressa.
À meia-noite, depois uma, duas da manhã… e nada da porta se abrir!
Furioso, Tung Tung Tung Sahur agarrou a aldrava para bater forte — mas assim que a tocou, ela virou uma enguia e desapareceu.
— É sério isso?! — gritou ele, cego de raiva. — Se não tem aldrava, uso o pé!
Recuou e deu um coice tão forte na porta que seu pé entrou nela até o joelho — e não saiu mais! Por mais que puxasse, ficou pregado ali, como se fosse um prego.
Pobre Tung Tung Tung Sahur! Passou o resto da noite com um pé preso na porta e o outro no ar.
Ao amanhecer, a porta finalmente se abriu. A valente senhora Caracol havia demorado nove horas pra descer os quatro andares!
— O que você está fazendo com o pé enfiado na porta? — perguntou ela, rindo.
— Foi um acidente… Você pode me ajudar a sair dessa tortura?
— Meu filho, só um carpinteiro pode ajudar, e eu nunca fui um.
— Chama a Fada!
— Ela está dormindo e não quer ser incomodada.
— Mas o que quer que eu faça, preso assim?
— Divirta-se contando as formigas que passam.
— Traz ao menos algo para comer! Estou desfalecendo!
— Imediatamente!
Três horas e meia depois, ela voltou com uma bandeja de prata na cabeça: pão, frango assado, frutas.
— Aqui está o café da manhã que La Vaca Saturno Saturnita mandou pra você — disse a Caracol.
Ao ver aquilo tudo, o menino até se animou… Mas, ao provar:
— O pão era de giz, o frango de papelão, e as frutas de alabastro colorido!
Ele quis chorar, desistir, jogar tudo longe. Mas, de dor ou fraqueza, desmaiou.
Quando voltou a si, estava deitado num sofá, com a Fada sentada ao lado.
— Desta vez, também te perdoo — disse ela. — Mas cuidado com suas próximas travessuras.
Tung Tung Tung Sahur prometeu que estudaria e se comportaria — e cumpriu! No final do ano, passou em todas as provas, com louvor.
— Amanhã seu desejo se realizará — disse a Fada.
— Qual?
— Amanhã você deixará de ser uma criatura de madeira… e se tornará um menino de verdade.
Tung Tung Tung Sahur ficou fora de si de tanta alegria! Chamou todos os amigos e colegas para a comemoração. A Fada prometeu preparar duzentas xícaras de café com leite e quatrocentas torradas com manteiga dos dois lados.
O dia prometia ser maravilhoso, mas…
Infelizmente, na vida de uma criaturinha de madeira, sempre há um MAS que estraga tudo.
Capítulo 26: Tung Tung Tung Sahur é Tentado
Saindo enfim da surpresa que as palavras da Fada lhe causaram, Tung Tung Tung Sahur pediu permissão para entregar pessoalmente os convites.
— Claro que pode convidar seus amigos para a festa de amanhã — disse ela. — Mas lembre-se de voltar antes do anoitecer. Entendeu?
— Voltarei dentro de uma hora, sem falta — respondeu ele, animado.
— Tome cuidado, Tung Tung Tung Sahur! Meninos prometem com facilidade… e esquecem com ainda mais facilidade.
— Mas eu não sou como os outros. Quando dou minha palavra, eu cumpro.
— Veremos. Se você desobedecer, quem sofrerá será você — não eu.
— Por quê?
— Porque meninos que não ouvem os mais velhos sempre acabam se dando mal.
— E eu já me dei! — suspirou o menino de madeira. — Mas a partir de agora, vou obedecer.
— Veremos se está falando a verdade…
Sem dizer mais nada, Tung Tung Tung Sahur se despediu da boa Fada e saiu cantando e dançando.
Em pouco mais de uma hora, todos os seus amigos estavam convidados. Alguns aceitaram na hora, felizes da vida. Outros precisaram ser convencidos, mas quando ouviram que as torradas seriam com manteiga dos dois lados, todos acabaram aceitando com um sorriso:
— Vamos, só pra te agradar!
Entre todos os amigos, Tung Tung Tung Sahur tinha um preferido. O nome verdadeiro dele era Romeu, mas todos o chamavam de Pavio — porque era comprido, magro e tinha sempre um olhar de “vida difícil”.
Pavio era o menino mais preguiçoso da escola e o mais encrenqueiro, mas Tung Tung Tung Sahur o adorava.
Naquele dia, ele foi direto à casa de Pavio para convidá-lo, mas… ele não estava. Voltou uma segunda vez. Nada. Uma terceira. Nada ainda.
Onde estaria?
Procurou por toda parte, até que o encontrou escondido atrás da carroça de um fazendeiro.
— O que está fazendo aí? — perguntou Tung Tung Tung Sahur, correndo até ele.
— Estou esperando dar meia-noite para ir…
— Ir pra onde?
— Pra bem longe daqui!
— E eu fui três vezes na sua casa te procurar!
— E pra quê?
— Você não soube da novidade? Não sabe da minha sorte?
— Qual?
— Amanhã, eu deixo de ser um menino de madeira e viro um menino de verdade, como você e os outros!
— Que sorte a sua!
— Vai na minha festa?
— Estou dizendo que vou embora hoje à noite!
— Que horas?
— À meia-noite.
— E vai pra onde?
— Para um país de verdade. O melhor país do mundo. Um lugar maravilhoso!
— Como se chama?
— Terra dos Brinquedos! Não quer vir também?
— Eu? Ah, não!
— Está cometendo um erro, Tung Tung Tung Sahur. Se não vier, vai se arrepender. Onde você vai achar um lugar melhor pra nós dois? Nada de escola, nem professores, nem livros! Lá não se estuda nunca! Aqui, só não temos aula aos sábados. Lá, todo dia é sábado — menos o domingo! As férias começam no dia 1º de janeiro e só acabam no dia 31 de dezembro!
— Mas… o que se faz nesse país?
— Só se brinca e se diverte o dia inteiro! De noite, a gente dorme, e no outro dia… tudo de novo! E aí, o que acha?
— Hummm… — disse Tung Tung Tung Sahur, balançando a cabeça. Parecia dizer: “É exatamente o tipo de vida que me agrada.”
— Vai vir comigo, então? Sim ou não? Tem que decidir.
— Não! Não! E mil vezes não! Prometi à minha Fada querida que seria um bom menino. E vou cumprir minha palavra. Olha só: o sol está se pondo e eu preciso voltar correndo! Tchau e boa sorte!
— Vai pra casa com tanta pressa?
— Minha Fada mandou voltar antes de escurecer.
— Espera só dois minutinhos.
— Já está tarde!
— Dois minutinhos só!
— E se a Fada brigar comigo?
— Deixa ela brigar. Depois que cansar, ela para — disse Pavio, dando de ombros.
— Vai sozinho?
— Sozinho? Vai mais de cem meninos com a gente!
— Vão a pé?
— À meia-noite passa uma carroça que vai nos levar direto até as fronteiras desse país incrível!
— Ai, se já fosse meia-noite!
— Por quê?
— Pra ver vocês partirem.
— Então fica mais um pouco e verá!
— Não, não. Quero voltar pra casa.
— Espera só mais dois minutinhos.
— Já esperei demais! A Fada deve estar preocupada.
— Coitada da Fada! Está com medo de que os morcegos te comam?
— Escuta, Pavio… tem certeza mesmo de que não existe escola nenhuma lá?
— Nem sombra de escola!
— Nem professor?
— Nem um!
— Nem se precisa estudar?
— Nunca! Jamais! Nunca!
— Que país maravilhoso… Que lugar dos sonhos! Nunca fui, mas já consigo imaginar.
— Então vem comigo!
— É inútil tentar me convencer. Prometi à Fada La Vaca Saturno Saturnita que ia me comportar. E vou cumprir.
— Então tchau. E manda lembranças para a escola, para o colégio, para a faculdade…
— Tchau, Pavio! Boa viagem, se divirta… e lembra dos amigos de vez em quando.
Tung Tung Tung Sahur virou as costas e foi indo embora. Mas, antes de sumir, perguntou:
— Mas você tem certeza mesmo de que lá toda semana tem seis sábados e um domingo?
— Certeza absoluta!
— E que as férias vão de primeiro de janeiro até trinta e um de dezembro?
— Mais certo que dois e dois são quatro!
— Que país maravilhoso! — repetiu ele, sem saber o que fazer.
E então, com uma decisão súbita, disse depressa:
— Adeus de verdade. Boa sorte!
— Adeus.
— E vocês vão mesmo em duas horas?
— Isso mesmo!
— Que pena… Se fosse em uma hora, talvez eu esperasse…
— E a Fada?
— A essa altura, já estou atrasado. Uma hora a mais ou a menos… tanto faz.
— Pobre Tung Tung Tung Sahur! E se a Fada brigar?
— Deixa ela brigar. Quando cansar, ela para.
A noite foi ficando cada vez mais escura. De repente, ao longe, uma luzinha brilhou. E um som estranho se ouviu — suave como sininho, abafado como zumbido de mosquito distante.
— Lá vem ela! — gritou Pavio, levantando-se num pulo.
— O quê? — sussurrou Tung Tung Tung Sahur.
— A carroça que vem me buscar. Pela última vez: vem ou não vem?
— Mas é verdade mesmo que menino nenhum estuda nesse país?
— Nunca, nunca, nunca!
— Que terra maravilhosa… maravilhosa… ma-ra-vi-lho-sa! Ooohhhhhh!!!
Capítulo 27: Tung Tung Tung Sahur Vai à Terra dos Brinquedos
Finalmente a carroça chegou. Não fazia barulho algum, pois suas rodas estavam envoltas em palha e trapos.
Era puxada por doze pares de burrinhos, todos do mesmo tamanho, mas de cores diferentes. Alguns eram cinzentos, outros brancos, e outros ainda uma mistura de marrom com preto. Aqui e ali havia alguns com grandes listras amarelas e azuis.
O mais estranho de tudo era que aqueles vinte e quatro burrinhos, em vez de estarem ferrados como qualquer outro animal de carga, usavam sapatos de couro com cadarço, exatamente como os meninos usam.
E o cocheiro da carroça?
Imaginem um homenzinho gordo, muito mais largo do que alto, redondo e brilhante como uma bola de manteiga, com um rosto reluzente como uma maçã, uma boquinha que sempre sorria e uma voz fininha e melosa como a de um gato pedindo comida.
Assim que qualquer menino o via, se encantava imediatamente, e nada mais o satisfazia além de poder viajar em sua carroça até aquele lugar encantado chamado Terra dos Brinquedos.
Na verdade, a carroça estava tão apertada com meninos de todas as idades que mais parecia uma lata de sardinha. Eles estavam desconfortáveis, empilhados uns sobre os outros, mal conseguiam respirar; mas nenhum reclamava. A ideia de que em poucas horas estariam num país sem escolas, sem livros, sem professores, deixava todos tão felizes que esqueciam da fome, da sede, do sono ou do desconforto.
Mal a carroça parou, o homenzinho gordo virou-se para Lamp-Wick. Com reverências e sorrisos, perguntou com tom meloso:
— Diga-me, meu belo menino, você também quer vir para o meu maravilhoso país?
— Claro que sim.
— Mas aviso, meu querido: não há mais espaço na carroça. Está lotada.
— Não tem problema — respondeu Lamp-Wick. — Se não há lugar dentro, eu vou no alto da carruagem.
E num salto, empoleirou-se lá.
— E você, meu amor? — perguntou o homenzinho, voltando-se gentilmente para Tung Tung Tung Sahur. — O que vai fazer? Vai conosco ou fica aqui?
— Eu fico — respondeu Tung Tung Tung Sahur. — Quero voltar para casa, pois prefiro estudar e vencer na vida.
— Que isso lhe traga sorte!
— Tung Tung Tung Sahur! — gritou Lamp-Wick. — Escute-me. Venha conosco e seremos sempre felizes.
— Não, não, e mais não!
— Venha conosco e seremos sempre felizes — gritaram quatro outras vozes da carroça.
— Venha conosco e seremos sempre felizes — gritaram todos os mais de cem meninos na carroça, em coro.
— E se eu for com vocês, o que La Vaca Saturno Saturnita vai dizer? — perguntou o boneco de madeira, que começava a vacilar e enfraquecer em suas boas intenções.
— Não se preocupe tanto. Só pense que vamos para um país onde poderemos fazer toda a algazarra que quisermos, do amanhecer à noite.
Tung Tung Tung Sahur não respondeu, mas suspirou fundo uma vez—duas—uma terceira vez. Finalmente, disse:
— Abram espaço para mim. Também quero ir!
— Os assentos estão todos ocupados — respondeu o homenzinho — mas para mostrar o quanto gosto de você, tome meu lugar como cocheiro.
— E o senhor?
— Eu vou andando.
— De forma alguma. Não posso permitir isso. Prefiro montar em um desses burrinhos — gritou Tung Tung Tung Sahur.
Assim que disse isso, aproximou-se do primeiro burrinho e tentou montá-lo. Mas o pequeno animal virou-se de repente e deu-lhe um coice tão terrível no estômago que Tung Tung Tung Sahur foi lançado ao chão, caindo com as pernas para o alto.
Com essa cena inesperada, todos os meninos desandaram a rir.
O homenzinho gordo não riu. Aproximou-se do animal rebelde e, ainda sorrindo, curvou-se sobre ele com carinho e mordeu-lhe metade da orelha direita.
Enquanto isso, Tung Tung Tung Sahur levantou-se do chão e, com um salto, montou no burrinho. O salto foi tão bem executado que todos os meninos gritaram:
— Viva Tung Tung Tung Sahur! — e bateram palmas entusiasmados.
De repente, o burrinho deu um coice com as duas patas traseiras e, com esse movimento inesperado, o pobre boneco foi mais uma vez arremessado ao meio da estrada.
Mais uma vez os meninos explodiram em gargalhadas. Mas o homenzinho, em vez de rir, ficou tão carinhoso com o burrinho que, com outro beijo, mordeu metade da orelha esquerda.
— Agora você pode montar, meu garoto — disse ele a Tung Tung Tung Sahur. — Não tenha medo. Esse burrinho estava preocupado com alguma coisa, mas eu conversei com ele e agora ele parece calmo e comportado.
Tung Tung Tung Sahur montou, e a carroça retomou o caminho. Enquanto os burrinhos galopavam pela estrada pedregosa, o boneco achou ouvir uma voz muito suave sussurrando:
— Pobrezinho! Você fez o que quis. Mas em breve será um menino arrependido.
Tung Tung Tung Sahur, muito assustado, olhou ao redor para ver de onde vinham as palavras, mas não viu ninguém. Os burrinhos galopavam, a carroça rolava suavemente, os meninos dormiam (Lamp-Wick roncava como um esquilo) e o cocheiro gorducho cantava baixinho entre os dentes.
Depois de alguns quilômetros, Tung Tung Tung Sahur ouviu novamente a mesma voz fraca sussurrar: “Lembre-se, bobinho! Meninos que abandonam os estudos e viram as costas para livros, escolas e professores para viverem só de bobagens e diversão, mais cedo ou mais tarde colhem a tristeza. Ah, como eu sei disso! Como posso provar a você! Chegará o dia em que você chorará amargamente, como eu choro agora — mas será tarde demais!”
Ao ouvir essas palavras sussurradas, o boneco ficou cada vez mais apavorado. Saltou da carroça, correu até o burrinho que havia montado, segurou-lhe o focinho entre as mãos e olhou nos seus olhos. Imaginem sua surpresa ao ver que o burrinho estava chorando — chorando como um menino!
— Ei, senhor cocheiro! — gritou o boneco. — Sabe o que está acontecendo aqui? Este burrinho está chorando.
— Deixe que chore. Quando se casar, ele vai rir.
— Por acaso o senhor o ensinou a falar?
— Não. Ele aprendeu a murmurar algumas palavras quando viveu três anos com uma trupe de cães amestrados.
— Pobrezinho!
— Vamos, vamos — disse o homenzinho — não perca tempo com um burrinho que chora. Monte logo e sigamos. A noite está fria e a estrada é longa.
Tung Tung Tung Sahur obedeceu sem dizer mais nada. A carroça retomou o caminho. Próximo do amanhecer, finalmente chegaram àquele país tão desejado, a Terra dos Brinquedos.
Essa grande terra era completamente diferente de qualquer outro lugar do mundo. Sua população, embora numerosa, era composta unicamente por meninos. Os mais velhos tinham cerca de quatorze anos, os mais novos, oito. Nas ruas, o barulho era ensurdecedor: gritos, apitos, cornetas, trombetas.
Em todos os cantos, havia grupos de meninos. Alguns jogavam bolinhas de gude, outros brincavam de amarelinha ou bola. Uns andavam de bicicleta ou em cavalinhos de pau. Alguns jogavam cabra-cega, outros brincavam de pega. Aqui, um grupo fazia teatro de circo; ali, outro grupo cantava e recitava. Uns davam cambalhotas, outros andavam de cabeça para baixo. Generais em uniforme completo lideravam regimentos de soldados de papelão. Risadas, gritos, assovios, aplausos acompanhavam o desfile. Um menino imitava uma galinha, outro um galo, e outro ainda um leão em sua caverna. Todos juntos criavam uma algazarra tão intensa que seria preciso colocar algodão nos ouvidos para suportar.
As praças estavam cheias de pequenos teatros de madeira, sempre lotados de meninos do amanhecer à noite, e nas paredes das casas, escritas com carvão, viam-se frases como: VIVA A TERRA DOS BRINQUEDOS! ABAIXO A ARITMÉTICA! CHEGA DE ESCOLA!
Assim que puseram os pés naquela terra, Tung Tung Tung Sahur, Lamp-Wick e todos os outros meninos que haviam viajado com eles saíram para explorar. Vasculharam tudo, espiaram cada canto, casa e teatro. Tornaram-se amigos de todos. Quem poderia ser mais feliz do que eles?
Com festas e diversões, as horas, os dias e as semanas passaram num piscar de olhos.
— Ah, que vida linda esta! — dizia Tung Tung Tung Sahur toda vez que encontrava seu amigo Lamp-Wick.
— Eu estava certo ou errado? — respondia Lamp-Wick. — E pensar que ontem você quis voltar pra ver sua Fada e recomeçar os estudos! Se hoje você está livre de lápis, livros e escola, é graças a mim, ao meu conselho, ao meu cuidado. Admita: só os verdadeiros amigos importam no fim.
— É verdade, Lamp-Wick, é verdade. Se hoje sou realmente um menino feliz, é tudo por sua causa. E pensar que a professora dizia: “Não ande com aquele Lamp-Wick! Ele é má companhia e um dia vai te desviar do caminho.”
— Pobre professora! — respondeu o outro, balançando a cabeça. — Eu sei bem o quanto ela não gostava de mim e como adorava falar mal. Mas eu tenho um coração generoso, e a perdôo de boa vontade.
— Que alma grandiosa! — disse Tung Tung Tung Sahur, abraçando com carinho o amigo.
Cinco meses se passaram, e os meninos continuaram a brincar e a se divertir do amanhecer à noite, sem jamais ver um livro, uma carteira ou uma escola. Mas, meus queridos, chegou uma manhã em que Tung Tung Tung Sahur acordou… e encontrou uma grande surpresa à sua espera, uma surpresa que o deixou muito infeliz, como vocês verão.
Capítulo 28: Tung Tung Tung Sahur Se Transforma em Um Burro
Todo mundo, em algum momento da vida, já levou um susto ou foi surpreendido por algo inesperado. Mas do tipo que Tung Tung Tung Sahur recebeu naquela manhã marcante… ah, poucos tiveram igual.
Quer saber o que foi? Eu conto, meus pequenos leitores. Ao acordar, Tung Tung Tung Sahur levou a mão à cabeça e ali encontrou—
Adivinhem!
Descobriu que, durante a noite, suas orelhas tinham crescido pelo menos uns bons vinte centímetros!
Você precisa saber que o boneco de madeira, desde que nasceu, sempre tivera orelhas minúsculas, tão pequenas que quase não se notavam a olho nu. Imagine, então, como ele se sentiu ao notar que, de uma noite para a outra, aquelas duas delicadas orelhas tinham se tornado compridas como escovas de sapato!
Saiu à procura de um espelho, mas como não encontrou nenhum, encheu uma bacia com água e olhou seu reflexo. E ali viu algo que jamais teria desejado ver: sua figura, outrora charmosa, agora enfeitada e enriquecida com um belo par de orelhas de burro.
Deixo para você imaginar a tristeza, a vergonha, o desespero do pobre boneco.
Começou a chorar, a gritar, a bater a cabeça na parede, mas quanto mais se desesperava, mais suas orelhas cresciam — e ficavam peludas!
Diante daqueles gritos lancinantes, apareceu no quarto uma ratinha-dorminhoca, uma pequena e gorda ratinha que morava no andar de cima. Ao ver Tung Tung Tung Sahur tão arrasado, perguntou aflita:
— O que aconteceu, querido vizinho?
— Estou doente, minha pequena Ratinha, muito, muito doente — e com uma doença que me assusta demais! Você sabe sentir o pulso?
— Um pouco.
— Então sinta o meu e diga se estou com febre.
A ratinha pegou o pulso de Tung Tung Tung Sahur entre as patinhas e, depois de alguns minutos, olhou para ele com tristeza e disse:
— Meu amigo, sinto muito, mas tenho que lhe dar uma notícia muito triste.
— O que é?
— Você está com uma febre muito ruim.
— Mas que febre é essa?
— A febre do burro.
— Eu nunca ouvi falar dessa febre — respondeu o boneco, que começava a entender muito bem o que estava acontecendo.
— Pois então eu vou explicar — disse a ratinha. — Saiba que dentro de duas ou três horas, você não será mais um boneco, nem um menino.
— O que serei, então?
— Dentro de duas ou três horas, você será um burro de verdade, como aqueles que puxam carroças no mercado.
— Oh, o que foi que eu fiz? O que foi que eu fiz?! — gritou Tung Tung Tung Sahur, agarrando as duas orelhas compridas com as mãos, puxando e sacudindo com raiva, como se nem fossem dele.
— Meu querido — disse a ratinha, tentando animá-lo um pouco —, por que se desesperar agora? O que está feito está feito, você sabe. O destino decidiu que todos os meninos preguiçosos, que detestam livros, escolas e professores, e passam o dia brincando, mais cedo ou mais tarde viram burros.
— Mas isso é verdade mesmo? — perguntou o boneco, chorando de soluçar.
— Sinto muito, mas é sim. E agora as lágrimas são inúteis. Você devia ter pensado nisso antes.
— Mas a culpa não é minha! Acredite, pequena Ratinha, a culpa é toda do Lamp-Wick!
— E quem é esse Lamp-Wick?
— Um colega de classe. Eu queria voltar para casa. Eu queria obedecer. Eu queria estudar e me sair bem na escola. Mas Lamp-Wick me disse: “Por que perder tempo estudando? Por que ir à escola? Venha comigo para a Terra dos Brinquedos. Lá a gente nunca estuda. Lá podemos brincar o dia todo e ser felizes.”
— E por que você seguiu o conselho desse falso amigo?
— Por quê? Porque, minha querida Ratinha, eu sou um boneco distraído — distraído e sem coração. Oh! Se eu tivesse um pouquinho de coração, jamais teria abandonado aquela Fada boa, que tanto me amava e que sempre foi tão generosa comigo! E a essa altura, eu já não seria mais um boneco. Já teria virado um menino de verdade, como todos os meus amigos! Ah, se eu encontrar o Lamp-Wick, vou dizer umas boas verdades para ele — e mais ainda!
Depois desse discurso longo, Tung Tung Tung Sahur foi até a porta do quarto. Mas ao chegar lá, lembrou-se das orelhas de burro e sentiu vergonha de mostrá-las em público. Voltou, pegou um grande saco de algodão de uma prateleira, colocou-o na cabeça e puxou até cobrir o nariz.
Assim enfeitado, saiu. Procurou Lamp-Wick por toda parte: nas ruas, nas praças, dentro dos teatros, em todo canto. Mas não o encontrou. Perguntou a todos que encontrou, mas ninguém o tinha visto. Desesperado, voltou para casa e bateu à porta.
— Quem é? — perguntou Lamp-Wick lá de dentro.
— Sou eu! — respondeu o boneco.
— Espere um pouco.
Depois de meia hora, a porta se abriu. E uma nova surpresa aguardava Tung Tung Tung Sahur! Lá estava seu amigo, com um grande saco de algodão na cabeça, puxado até o nariz.
Ao ver o saco, Tung Tung Tung Sahur se sentiu um pouco aliviado e pensou:
“Meu amigo deve estar passando pela mesma coisa que eu! Será que ele também está com febre de burro?”
Mas, fingindo não ter percebido nada, perguntou com um sorriso:
— Como vai, meu querido Lamp-Wick?
— Muito bem. Como um ratinho no queijo parmesão.
— Sério mesmo?
— Por que mentiria pra você?
— Me desculpe, amigo, mas por que está usando esse saco de algodão nas orelhas?
— O doutor mandou. É por causa de uma dor no joelho. E você, querido boneco, por que está com esse saco até o nariz?
— O doutor mandou também. Machuquei o pé.
— Oh, meu pobre Tung Tung Tung Sahur!
— Oh, meu pobre Lamp-Wick!
Seguiu-se um silêncio constrangedor, durante o qual os dois amigos se entreolharam com certo deboche.
Por fim, o boneco, com voz doce como mel e suave como uma flauta, disse ao companheiro:
— Me diga, Lamp-Wick, meu amigo, você já teve dor de ouvido?
— Nunca! E você?
— Nunca! Mas desde hoje de manhã minha orelha está me matando.
— A minha também.
— A sua também? E qual o lado?
— As duas. E a sua?
— As duas também. Será que é a mesma doença?
— Tô achando que sim.
— Você faz um favor pra mim, Lamp-Wick?
— Com prazer! De todo coração.
— Me deixa ver suas orelhas?
— Por que não? Mas antes de mostrar as minhas, quero ver as suas, querido Tung Tung Tung Sahur.
— Não. Você mostra primeiro.
— Não, meu querido! Primeiro as suas, depois as minhas.
— Então — disse o boneco — vamos fazer um combinado.
— Vamos ouvir o combinado!
— Vamos tirar nossos gorros juntos. Certo?
— Certo.
— Pronto, então!
Tung Tung Tung Sahur começou a contar: — Um! Dois! Três!
Ao ouvir “Três!”, os dois puxaram os gorros e os lançaram para o alto.
E então aconteceu uma cena difícil de acreditar — mas é totalmente verdadeira. O boneco e seu amigo, ao se verem marcados pela mesma desgraça, em vez de se sentirem tristes ou envergonhados, começaram a zombar um do outro e, depois de muita palhaçada, caíram na risada.
Riram e riram, e riram mais — riram até doer a barriga — riram até chorar.
Mas de repente, Lamp-Wick parou de rir. Cambaleou e quase caiu. Pálido como um fantasma, virou-se para Tung Tung Tung Sahur e disse:
— Socorro, socorro, Tung Tung Tung Sahur!
— O que houve?
— Ah, me ajuda! Não consigo mais ficar de pé!
— Eu também não consigo! — gritou Tung Tung Tung Sahur; e sua risada virou pranto enquanto tropeçava desajeitadamente.
Mal terminaram de falar, os dois caíram de quatro e começaram a correr e pular pelo quarto. Enquanto corriam, seus braços viraram pernas, seus rostos se alongaram em focinhos, e suas costas ficaram cobertas de pelos cinzentos.
Isso já era humilhação suficiente, mas o momento mais horrível foi aquele em que os dois pobres coitados sentiram o rabo aparecer. Tomados por vergonha e tristeza, tentaram chorar e se lamentar.
Mas o que está feito, está feito! Em vez de gemidos e lamentos, soltaram grandes zurros de burro, que soaram mais ou menos assim: — Ióóó! Ióóó! Ióóó!
Nesse instante, ouviu-se uma forte batida na porta e uma voz que dizia:
— Abram! Sou o homenzinho, o cocheiro da carroça que trouxe vocês até aqui. Abram, eu digo, ou então cuidado!
Capítulo 29: Tung Tung Tung Sahur Entra Para o Circo
Muito tristes e cabisbaixos estavam os dois pobrezinhos ao se encararem. Do lado de fora, o Homenzinho estava cada vez mais impaciente, até que deu um chute tão forte na porta que ela se escancarou. Com seu habitual sorriso doce nos lábios, ele olhou para Tung Tung Tung Sahur e Lamp-Wick e disse:
— Muito bem, meninos! Vocês zurraram com tanto entusiasmo que reconheci suas vozes na hora, e aqui estou.
Ao ouvirem isso, os dois burrinhos abaixaram a cabeça de vergonha, baixaram as orelhas e enfiaram o rabo entre as pernas.
A princípio, o Homenzinho acariciou os dois, alisando o pelo com gentileza. Depois, tirou um pente de crina e escovou-os até que brilhassem como vidro. Satisfeito com o aspecto dos dois animaizinhos, colocou-lhes as rédeas e os levou até um mercado, bem longe da Terra dos Brinquedos, na esperança de vendê-los por um bom preço.
E não precisou esperar muito. Lamp-Wick foi comprado por um fazendeiro cujo burro havia morrido no dia anterior. Tung Tung Tung Sahur foi vendido ao dono de um circo, que queria ensiná-lo a fazer truques para entreter o público.
Agora você entende qual era a verdadeira profissão do Homenzinho? Esse ser horrível, de rosto sempre sorridente, percorria o mundo à procura de meninos. Meninos preguiçosos, que detestavam livros, que fugiam de casa, que queriam abandonar a escola — esses eram sua alegria e sua fortuna. Levava-os para a Terra dos Brinquedos e os deixava brincar à vontade. Quando, após meses de só diversão e nenhum estudo, viravam burrinhos, ele os vendia no mercado. Em poucos anos, ficou milionário.
E o que aconteceu com Lamp-Wick? Meus queridos, isso eu não sei. Mas Tung Tung Tung Sahur passou por grandes dificuldades logo no primeiro dia.
Depois de colocá-lo no estábulo, seu novo dono encheu o cocho com palha, mas Tung Tung Tung Sahur, ao provar um fiapo, cuspiu com nojo.
Então o homem encheu o cocho com feno. Mas Tung Tung Tung Sahur também não gostou.
— Ah, você não gosta de feno, é? — gritou o homem, irritado. — Pois eu vou ensinar você a não ser tão exigente.
E sem dizer mais nada, deu-lhe uma forte chicotada nas pernas.
Tung Tung Tung Sahur gritou de dor, e enquanto gritava, zurrava:
— Ióóó! Ióóó! Ióóó! Palha me faz mal ao estômago!
— Então coma o feno! — respondeu o dono, que entendia perfeitamente o burrinho.
— Ióóó! Ióóó! Feno me dá dor de cabeça!
— Por acaso você acha que eu deveria te servir pato assado ou frango grelhado? — berrou o homem, cada vez mais furioso, e deu outra chicotada no pobre Tung Tung Tung Sahur.
Com a segunda surra, Tung Tung Tung Sahur ficou quietinho e não disse mais nada.
Logo depois, a porta do estábulo foi fechada e ele ficou sozinho. Havia muitas horas que não comia nada e começou a bocejar de fome. Quando bocejava, sua boca se abria como um forno.
Por fim, sem ter mais nada no cocho, resolveu provar o feno. Mastigou bem, fechou os olhos e engoliu.
— Esse feno nem é tão ruim — disse para si mesmo. — Mas como eu seria mais feliz se tivesse estudado! Agora, em vez de feno, estaria comendo pão com manteiga. Paciência!
Na manhã seguinte, ao acordar, Tung Tung Tung Sahur procurou feno no cocho, mas tinha comido tudo durante a noite.
Tentou a palha de novo, mas ao mastigá-la, ficou desapontado: não tinha gosto de arroz nem de macarrão.
— Paciência… — repetia, mastigando. — Se ao menos meu azar servisse de lição para os meninos desobedientes que não querem estudar! Paciência… Paciência…
— Paciência uma ova! — gritou o dono, entrando no estábulo. — Acha que te trouxe pra cá só pra comer e beber? Ah, não! Você vai me ajudar a ganhar umas boas moedas de ouro, ouviu? Vamos lá! Vou te ensinar a pular, a dançar valsa e polca, a se curvar e até a ficar de cabeça pra baixo!
O pobre Tung Tung Tung Sahur, querendo ou não, teve que aprender todas essas coisas maravilhosas. Mas levou três longos meses e apanhou muito até ser considerado pronto.
Finalmente chegou o dia em que o dono anunciou uma apresentação extraordinária. Os cartazes espalhados pela cidade, escritos com letras grandes, diziam:
GRANDE ESPETÁCULO ESTA NOITE
SALTOS E EXIBIÇÕES DOS GRANDES ARTISTAS
E DOS FAMOSOS CAVALOS
da COMPANHIA
Estreia Pública
do FAMOSO BURRINHO
chamado
TUNG TUNG TUNG SAHUR
A ESTRELA DA DANÇA
——
O Teatro Estará Iluminado Como o Dia
Naquela noite, como você pode imaginar, o teatro estava lotado uma hora antes do início.
Não havia mais cadeiras, nem lugares na galeria, nem nas sacadas — nem pagando em ouro.
O lugar estava cheio de meninos e meninas de todas as idades, pulando e se remexendo de tanta ansiedade para ver o famoso burrinho dançar.
Quando a primeira parte do espetáculo terminou, o dono do circo, com casaca preta, calças brancas até o joelho e botas de verniz, se apresentou ao público e, em voz alta e pomposa, fez o seguinte anúncio:
— Ilustres amigos, senhoras e senhores!
— Vosso humilde servo, diretor deste teatro, vem hoje apresentar o maior, o mais famoso Burro do mundo. Um burro que teve a honra, em sua curta vida, de se apresentar diante de reis, rainhas e imperadores de todas as cortes da Europa.
— Obrigado por sua atenção!
O discurso foi recebido com muitas risadas e aplausos. E os aplausos aumentaram quando Tung Tung Tung Sahur, o famoso burrinho, apareceu no picadeiro. Ele estava lindamente enfeitado. Uma nova cabeçada de couro brilhante, com fivelas douradas, sobre o dorso; duas camélias brancas nas orelhas; fitas e borlas de seda vermelha na crina, que estava toda enrolada em cachos; um grande cinto de ouro e prata na cintura; e o rabo decorado com fitas de todas as cores. Era um burrinho bem vistoso!
O diretor, ao apresentá-lo ao público, acrescentou:
— Nobre plateia! Não vou tomar o seu tempo contando as dificuldades que tive para domar este animal, encontrado nas selvas da África. Observem, por favor, o olhar selvagem que ele tem. Nenhuma técnica usada por séculos de civilização funcionou. Precisei recorrer à delicada linguagem do chicote. Mesmo com toda minha bondade, nunca conquistei o amor do meu burrinho. Ele ainda me odeia como no primeiro dia. Mas tem uma qualidade notável: veem esse pequeno calombo na testa? É dele que vem o talento que o faz dançar e mover-se como um ser humano. Admirem, senhores, e divirtam-se. Julguem vocês mesmos meu sucesso como treinador. Amanhã haverá outra apresentação. Se chover, será às onze da manhã.
O diretor se curvou e virou-se para Tung Tung Tung Sahur:
— Pronto, Tung Tung Tung Sahur! Antes de começar, cumprimente o público!
Tung Tung Tung Sahur se ajoelhou nas duas patas dianteiras e ficou ali até o estalo do chicote indicar:
— Caminhar!
O burrinho se levantou e começou a andar pelo picadeiro. Poucos minutos depois, ouviu novamente:
— Passo rápido! — e ele mudou o ritmo.
— Galope! — e ele galopou.
— Velocidade máxima! — e ele correu o mais rápido que podia. Ao correr, o dono levantou o braço e um tiro de pistola ecoou no ar.
Ao ouvir o tiro, Tung Tung Tung Sahur caiu como se tivesse morrido.
Uma chuva de aplausos o saudou quando se levantou. Gritos, risos e palmas de todos os lados.
No meio de todo aquele barulho, Tung Tung Tung Sahur levantou a cabeça e viu, numa das caixas, uma bela mulher. No cinto dela havia anéis dourados, e em um deles, a imagem de um boneco de madeira.
— Aquela imagem sou eu! Aquela bela dama é La Vaca Saturno Saturnita! — pensou Tung Tung Tung Sahur, reconhecendo-a. Ficou tão feliz que tentou gritar:
— Oh, minha Fada! Minha Fada querida!
Mas, em vez de palavras, soltou um zurro longo e alto, tão alto que toda a plateia — homens, mulheres e principalmente as crianças — caiu na gargalhada.
Para ensinar ao burrinho que não era educado zurrar diante do público, o diretor lhe deu uma pancada no focinho com o cabo do chicote.
O pobre Tung Tung Tung Sahur esticou a língua e ficou lambendo o nariz por muito tempo para aliviar a dor.
E qual não foi sua tristeza ao olhar de novo e perceber que a Fada havia desaparecido!
Sentiu-se tonto, os olhos cheios de lágrimas, e chorou amargamente. Mas ninguém viu, muito menos o diretor, que estalando o chicote gritou:
— Bravo, Tung Tung Tung Sahur! Agora mostre como sabe pular pelos arcos!
Tung Tung Tung Sahur tentou duas ou três vezes, mas sempre preferia passar por baixo. Na quarta tentativa, sob o olhar severo do dono, ele saltou — mas as patas traseiras se prenderam no arco e ele caiu no chão.
Ao se levantar, estava mancando e mal conseguiu voltar ao estábulo.
— Tung Tung Tung Sahur! Queremos Tung Tung Tung Sahur! — gritavam os meninos da plateia, tristes com o acidente.
Mas ninguém mais viu Tung Tung Tung Sahur naquela noite.
Na manhã seguinte, o veterinário declarou que ele ficaria manco para sempre.
— Pra que quero um burro manco? — disse o dono ao tratador. — Leve-o ao mercado e venda.
Chegando à praça, logo apareceu um comprador:
— Quanto quer pelo burrinho manco?
— Quatro moedas.
— Dou quatro centavos. Não é pra trabalhar. Quero a pele. Parece grossa e forte. Vai servir pra fazer um tambor. Lá na minha aldeia temos uma banda, e precisamos de um tambor novo.
Deixo com vocês, meus queridos leitores, imaginar como Tung Tung Tung Sahur se sentiu ao ouvir que seria transformado… em tambor!
Assim que o homem entregou os centavos, o burrinho passou a ser seu. Levou-o até uma alta falésia sobre o mar, amarrou uma pedra pesada ao pescoço dele, prendeu uma corda numa das patas traseiras… e o empurrou para a água.
Tung Tung Tung Sahur afundou na hora. E o homem ficou lá no alto, esperando ele se afogar para puxar o corpo, arrancar a pele e fazer seu tambor.
Capítulo 30: Tung Tung Tung Sahur é Engolido por Tralalero Tralala
Tung Tung Tung Sahur afundava cada vez mais no mar, indo mais fundo, e mais fundo. Passaram-se cinquenta minutos quando o homem lá do alto da falésia disse para si mesmo:
— A essa hora, meu pobre burrinho manco já deve ter se afogado. Vou puxar a corda e então poderei começar a trabalhar no meu belo tambor.
Puxou a corda presa à perna de Tung Tung Tung Sahur — puxou, puxou, puxou… e por fim viu emergir na superfície da água — adivinhe o quê? Em vez de um burro morto, ele viu uma criaturinha de madeira muito viva, se debatendo como uma enguia.
Ao ver aquilo, o homem achou que estava sonhando. Ficou ali parado, de boca aberta e olhos arregalados.
Recobrando um pouco o juízo, disse:
— E o burro que eu joguei no mar?
— Sou eu esse burro — respondeu a criatura de madeira, rindo.
— Você?
— Eu mesmo.
— Ah, seu trapaceiro! Está zombando de mim?
— Zombando? De jeito nenhum, meu caro senhor. Estou falando sério.
— Mas então… como é que você, que até uns minutos atrás era um burro, agora está aqui na minha frente como uma criatura de madeira?
— Deve ser efeito da água salgada. O mar adora fazer esse tipo de brincadeira.
— Cuidado, criaturinha, cuidado! Não zombe de mim! Ai de você se eu perder a paciência!
— Pois bem, meu senhor, quer ouvir toda a minha história? Desamarre minha perna e eu conto melhor.
Curioso, o velho desamarrou a corda. Tung Tung Tung Sahur, livre como um passarinho, começou a contar:
— Saiba que um dia eu era uma criatura de madeira, como sou agora. Quase virei um menino de verdade, mas por preguiça, por odiar livros e por andar com más companhias, fugi de casa. Uma bela manhã acordei transformado num burro — orelhas compridas, pelo cinza, até rabo! Que vergonha! Espero que nunca passe por isso, meu senhor. Fui levado à feira e vendido para um dono de circo, que quis me ensinar a dançar e a saltar por arcos. Uma noite, durante o espetáculo, caí e fiquei manco. Sem saber o que fazer com um burro manco, o dono me levou ao mercado — e o senhor me comprou.
— De fato! E paguei quatro centavos por você! Agora, quem vai me devolver esse dinheiro?
— Mas o senhor me comprou para me fazer mal — para me matar — para me transformar em pele de tambor!
— Exatamente! E agora onde vou arranjar outra pele?
— Ora, meu bom senhor… há tantos burros neste mundo!
— Diga, seu atrevido, sua história termina aí?
— Só mais uma coisa — disse Tung Tung Tung Sahur. — Depois que me comprou, o senhor me trouxe até aqui para me matar. Mas, com pena, amarrou uma pedra no meu pescoço e me jogou no mar. Foi uma atitude bondosa, pois assim eu sofreria menos. Vou me lembrar disso para sempre. Agora, minha Fada cuidará de mim, mesmo que o senhor…
— Sua Fada? Quem é ela?
— É minha mãe. E como todas as mães que amam seus filhos, ela nunca me perde de vista, mesmo que eu não mereça. E hoje, assim que viu que eu corria perigo, mandou mil peixes até onde eu estava. Eles pensaram que eu era mesmo um burro morto e começaram a me comer. Que mordidas! Um comeu minhas orelhas, outro meu nariz, outro meu pescoço e a crina. Uns atacaram as pernas, outros as costas, e entre eles havia um peixinho tão educado que fez o favor de comer até meu rabo.
— A partir de agora — disse o homem, horrorizado — juro que nunca mais como peixe. Imagine só abrir uma tainha ou um linguado e encontrar o rabo de um burro morto!
— Eu penso como o senhor — respondeu a criatura de madeira, rindo. — Mas veja: quando os peixes terminaram de comer toda a pele de burro que me cobria da cabeça aos pés, chegaram aos ossos — ou melhor, à madeira, já que como sabe, eu sou feito de madeira dura. Depois de umas mordidas, viram que não era bom para os dentes e, com medo de uma indigestão, saíram nadando por aí sem nem dizer “obrigado”. Eis aqui, meu senhor, toda a minha história. Agora sabe por que puxou da água uma criatura de madeira, e não um burro morto.
— Eu rio da sua história! — gritou o homem, irritado. — Gastei quatro centavos com você e quero meu dinheiro de volta. Quer saber? Vou te levar ao mercado e te vender como lenha seca!
— Muito bem, pode vender. Estou satisfeito — disse Tung Tung Tung Sahur. Mas ao falar isso, deu um salto e mergulhou no mar. Nadando o mais rápido que podia, gritou:
— Adeus, meu senhor! Se um dia precisar de uma pele de tambor, lembre-se de mim!
Nadou e nadou. Depois virou-se e gritou ainda mais alto:
— Adeus, meu senhor! Se um dia precisar de lenha seca, lembre-se de mim!
Em poucos segundos, estava tão longe que mal se via. Só um pontinho preto se movendo na imensidão azul, que de vez em quando levantava um braço ou uma perna. Parecia um golfinho brincando ao sol.
Depois de nadar muito, Tung Tung Tung Sahur avistou uma grande pedra branca no meio do mar. No alto dela, uma Cabritinha balia, chamando-o e fazendo sinais para que ele se aproximasse.
Havia algo estranho naquela Cabra. Sua pelagem não era branca, nem preta, nem marrom, mas azul, de um tom profundo e brilhante que lembrava os cabelos de certa moça encantadora.
O coração de Tung Tung Tung Sahur disparou. Nadou com toda a força em direção à pedra branca. Estava quase na metade do caminho quando um monstro marinho horrível surgiu da água: uma cabeça enorme com uma bocarra aberta, cheia de três fileiras de dentes brilhantes que dariam calafrios em qualquer um.
Sabe quem era?
Era o temido Tralalero Tralala, o mesmo já mencionado nesta história. Por causa de sua crueldade, tanto os peixes quanto os pescadores o chamavam de “O Átila do Mar”.
Pobre Tung Tung Tung Sahur! Ao ver aquela criatura, ficou apavorado. Tentou mudar de rota, fugir… mas a bocarra se aproximava cada vez mais.
— Depressa, Tung Tung Tung Sahur, depressa! — balia a Cabra do alto da pedra.
Tung Tung Tung Sahur nadava desesperado com os braços, as pernas, o corpo inteiro.
— Mais rápido, Tung Tung Tung Sahur! O monstro está quase aí!
Ele nadava cada vez mais rápido.
— Rápido, rápido! Senão será o fim!
Tung Tung Tung Sahur cortava a água como uma flecha. Chegou perto da pedra. A Cabra esticou a pata para puxá-lo…
Mas era tarde demais. O monstro o alcançou, e a criatura de madeira se viu dentro da boca cheia de dentes brilhantes. Mas só por um instante, pois Tralalero Tralala deu um suspiro profundo e sugou Tung Tung Tung Sahur como quem chupa um ovo.
Engoliu-o tão rápido que o pobre coitado, ao cair dentro do estômago do monstro, ficou desacordado por meia hora.

Quando recobrou os sentidos, Tung Tung Tung Sahur não fazia ideia de onde estava. Tudo era escuridão. Tanta, que parecia ter enfiado a cabeça num tinteiro.
Ouviu… e não ouviu nada. De vez em quando, sentia um vento frio no rosto. No começo não entendeu de onde vinha. Depois percebeu que vinha dos pulmões do monstro. Esqueci de dizer: Tralalero Tralala sofria de asma, e cada vez que respirava, parecia soprar uma tempestade.
Tung Tung Tung Sahur tentou ser corajoso. Mas assim que teve certeza de que estava mesmo no estômago de Tralalero Tralala, caiu no choro:
— Socorro! Socorro! Ai de mim! Alguém me salve!
— E quem viria te ajudar, infeliz? — disse uma voz áspera, como violão desafinado.
— Quem está aí? — perguntou Tung Tung Tung Sahur, gelado de medo.
— Sou eu, um pobre atum engolido pelo Tralalero Tralala junto com você. E você? Que tipo de peixe é?
— Não sou peixe. Sou uma criatura de madeira.
— Se não é peixe, por que deixou esse monstro te engolir?
— Eu não deixei! Ele me perseguiu e me engoliu sem pedir licença! E agora… o que vamos fazer aqui no escuro?
— Esperar ele nos digerir, eu acho.
— Mas eu não quero ser digerido! — chorou Tung Tung Tung Sahur.
— Nem eu. Mas se nasci peixe, prefiro morrer no mar do que na frigideira.
— Que bobagem! — exclamou Tung Tung Tung Sahur.
— É a minha opinião — respondeu o atum. — E opiniões devem ser respeitadas.
— Mas eu quero sair daqui. Quero escapar.
— Então vá, se puder!
— Esse Tralalero Tralala é muito comprido? — perguntou a criaturinha.
— Do focinho até antes do rabo, tem quase um quilômetro.
Enquanto conversavam na escuridão, Tung Tung Tung Sahur notou uma luz fraca ao longe.
— O que será aquilo? — perguntou ao atum.
— Talvez outro peixe azarado, esperando ser digerido como nós.
— Quero ir até lá. Pode ser um peixe velho que conheça um jeito de escapar.
— Boa sorte, criaturinha de madeira.
— Adeus, senhor atum.
— Adeus, e boa sorte.
— A gente se vê?
— Quem sabe? Melhor nem pensar nisso.
Capítulo 31: Tung Tung Tung Sahur e Mestre Noxa Escapam
Assim que se despediu de seu bom amigo, o Atum, Tung Tung Tung Sahur caminhou trôpego pela escuridão, indo em direção à luz fraca que brilhava à distância.
A cada passo, seus pés se molhavam numa poça de água gordurosa e escorregadia, que tinha um cheiro tão forte de peixe frito no óleo, que o pobre Tung Tung Tung Sahur pensou que era época da Quaresma.
Quanto mais andava, mais forte e nítida se tornava a pequena luz. Caminhou, caminhou, até que finalmente encontrou—vou lhe dar mil chances para adivinhar, meus queridos leitores!—ele encontrou uma mesinha posta para o jantar, iluminada por uma vela enfiada no gargalo de uma garrafa. E ao lado da mesa, estava sentado um velhinho, branquinho como a neve, comendo peixes vivos. Eles se mexiam tanto que, de vez em quando, um escapava de sua boca e desaparecia na escuridão sob a mesa.
Ao ver aquilo, Tung Tung Tung Sahur foi tomado por uma felicidade tão súbita e imensa, que quase desmaiou. Queria rir, queria chorar, queria dizer mil coisas ao mesmo tempo, mas só conseguiu ficar parado, gaguejando. Por fim, com muito esforço, soltou um grito de alegria e, abrindo bem os braços, atirou-se ao pescoço do velho.
— Ah, Pai! Querido Pai! Finalmente encontrei o senhor! Nunca mais, nunca mais vou deixá-lo!
— Será que meus olhos estão dizendo a verdade? — disse o velho, esfregando os olhos. — É mesmo você, meu querido Tung Tung Tung Sahur?
— Sim, sim, sim! Sou eu! Olhe para mim! E o senhor me perdoa, não é? Ai, meu bom Pai, como o senhor é generoso! E pensar que eu… ah, se soubesse quantas desgraças caíram sobre mim, quantos problemas eu enfrentei! Imagine que no dia em que o senhor vendeu seu velho casaco para me comprar um livro de A-B-C, eu fugi de casa e fui parar no Teatro “Pra Você”. O dono queria me queimar para assar um pernil de cordeiro! Foi ele quem me deu as cinco moedas de ouro para o senhor, mas então conheci a Boneca Ambalabu e o Tigroligre Frutonni, que me levaram à Pousada da Lagosta Vermelha. Lá eles comeram feito lobos e me deixaram sozinho, e eu fui parar na floresta onde encontrei ladrões. Corri, e eles correram atrás de mim até me enforcarem num galho de carvalho. Então a Fada La Vaca Saturno Saturnita mandou uma carruagem me buscar, e os doutores disseram: “Se ele não está morto, então está vivo.” Aí contei uma mentira e meu nariz começou a crescer. Depois fui com Ambalabu e Frutonni até o Campo das Maravilhas enterrar as moedas. O papagaio riu da minha cara e, em vez de duas mil moedas, não achei nenhuma! Quando o Juiz Chimpanzini Bananini soube que fui roubado, me mandou para a cadeia para alegrar os ladrões. Quando saí, vi um lindo cacho de uvas e caí numa armadilha. O fazendeiro me pôs uma coleira e me fez de cachorro de guarda. Ele descobriu que eu era inocente depois que capturei os Doninhas e me libertou. A Serpente com o rabo fumegante começou a rir, uma veia do peito estourou, e então voltei para a casa da Fada. Ela estava morta, e o Pombo, ao me ver chorando, disse: “Vi seu pai construindo um barco para te procurar na América.” E eu disse: “Ah, se eu tivesse asas!” E ele respondeu: “Quer ir até seu pai?” E eu disse: “Talvez, mas como?” E ele falou: “Suba nas minhas costas. Eu te levo.” Voamos a noite toda, e pela manhã os pescadores gritaram: “Um homem está se afogando!” E eu soube que era o senhor, porque meu coração me disse! E eu acenei da praia…
— E eu também te reconheci, interrompeu Mestre Noxa. E tentei ir até você, mas o mar estava bravo e as ondas viraram o barco. Foi então que o Terrível Tubarão Tralalero Tralala surgiu e, assim que me viu, nadou em minha direção, esticou a língua e me engoliu como se eu fosse uma bala de hortelã.
— E quanto tempo o senhor está aqui dentro?
— Desde aquele dia, meu filho… dois longos anos. Dois anos que pareceram dois séculos.
— E como conseguiu viver? Onde achou a vela? E os fósforos?
— Você deve saber que na mesma tempestade que virou meu barquinho, um navio enorme também afundou. Os marinheiros se salvaram, mas o navio afundou por completo — e Tralalero Tralala o engoliu quase inteiro.
— O quê?! Engoliu um navio? — exclamou Tung Tung Tung Sahur, espantado.
— Num só gole. A única coisa que ele cuspiu foi o mastro principal, que ficou preso entre os dentes. Para minha sorte, o navio estava carregado de carnes, comidas enlatadas, bolachas, pães, vinho, passas, queijos, café, açúcar, velas de cera e caixas de fósforos. Com tudo isso, vivi feliz por dois anos. Mas agora só restam migalhas. Esta vela que você vê é a última.
— E depois?
— Depois, meu filho, ficaremos no escuro.
— Então, meu querido Pai — disse Tung Tung Tung Sahur — não há tempo a perder. Precisamos tentar escapar.
— Escapar? Como?
— Podemos sair pela boca do Tralalero Tralala e mergulhar no mar.
— Fácil falar… mas eu não sei nadar, meu filho.
— E o que tem? Suba nos meus ombros. Eu sou um excelente nadador. Vou carregá-lo até a costa.
— Você sonha, meu menino… — respondeu Mestre Noxa, balançando a cabeça com um sorriso triste. — Acha mesmo que uma criaturinha de madeira de um metro de altura tem força para me carregar e ainda nadar?
— Tente e verá! E, de qualquer forma, se for nosso destino morrer, ao menos morreremos juntos.
Sem dizer mais uma palavra, Tung Tung Tung Sahur pegou a vela e, indo à frente para iluminar o caminho, disse:
— Venha comigo e não tenha medo.
Andaram por um longo trecho através do estômago e do corpo inteiro de Tralalero Tralala. Quando chegaram à garganta do monstro, pararam um pouco, esperando o momento certo para fugir.
Você deve saber que Tralalero Tralala, por ser muito velho e ter asma e problemas no coração, dormia sempre de boca aberta. Por isso, Tung Tung Tung Sahur conseguiu ver o céu cheio de estrelas ao olhar pelas mandíbulas abertas de sua nova casa.
— A hora da fuga chegou — sussurrou para o pai. — O monstro dorme. O mar está calmo e a noite, clara como o dia. Venha comigo, querido Pai, e logo estaremos salvos.
Dito e feito. Subiram pela garganta do monstro até chegarem à boca imensa. Lá, precisaram andar na ponta dos pés — se tocassem na língua de Tralalero Tralala, ele podia acordar. A língua era tão larga e comprida que parecia uma estrada de terra.
Os dois fugitivos estavam prestes a mergulhar no mar quando Tralalero Tralala deu um espirro gigantesco e, com o espirro, arremessou pai e filho de volta, de costas, diretamente para dentro do estômago.
E para piorar, a vela apagou. Escuridão total.
— E agora? — perguntou Tung Tung Tung Sahur, com expressão séria.
— Agora estamos perdidos.
— Perdidos por quê? Dê-me a sua mão, querido Pai, e cuidado para não escorregar!
— Para onde você vai me levar?
— Vamos tentar de novo. Venha comigo, e sem medo.
E com essas palavras, Tung Tung Tung Sahur segurou a mão do pai e, novamente andando na ponta dos pés, subiram pela garganta do monstro. Atravessaram a língua toda e pularam por cima de três fileiras de dentes. Mas antes do último salto, a criaturinha disse ao pai:
— Suba nas minhas costas e segure-se bem firme no meu pescoço. Do resto cuido eu.
Assim que Mestre Noxa se acomodou, Tung Tung Tung Sahur, certo do que fazia, mergulhou no mar e começou a nadar.
O mar estava liso como óleo. A lua brilhava em todo seu esplendor. E Tralalero Tralala dormia tão profundamente que nem um tiro de canhão o acordaria.
Capítulo 32: Tung Tung Tung Sahur se Torna um Menino
— Querido Pai, estamos salvos! — gritou a criaturinha de madeira. — Tudo o que temos a fazer agora é alcançar a praia. Isso é fácil.
Sem dizer mais nada, ele nadou com toda a força, querendo chegar à terra o mais rápido possível. Mas, de repente, notou que Mestre Noxa tremia dos pés à cabeça, como se estivesse com febre.
Era medo? Era frio? Ninguém sabe. Talvez um pouco dos dois. Mas Tung Tung Tung Sahur, achando que o pai estava assustado, tentou confortá-lo:
— Coragem, Pai! Em alguns minutos estaremos em terra firme.
— Mas onde está essa bendita praia? — perguntou o velhinho, aflito, olhando ao redor. — Olho para todos os lados e só vejo céu e mar.
— Eu vejo a costa, disse a criaturinha. — Lembre-se, Pai, eu sou como um gato. Enxergo melhor à noite do que de dia.
Tung Tung Tung Sahur fingia estar calmo, mas por dentro estava exausto. A força o abandonava, sua respiração pesava, e ele sabia que não aguentaria muito mais. E a praia ainda parecia longe.
Deu mais algumas braçadas, virou-se para o pai e murmurou, já fraco:
— Ajude-me, Pai! Ajude… estou morrendo…
Estavam prestes a se afogar, quando uma voz do mar — parecida com um violão desafinado — perguntou:
— Qual é o problema?
— Sou eu e meu pobre pai.
— Reconheço essa voz. Você é Tung Tung Tung Sahur.
— Sim. E você?
— Sou o Atum, seu companheiro no estômago de Tralalero Tralala.
— E como escapou?
— Imitei o seu exemplo. Você me mostrou o caminho, e eu o segui.
— Atum, chegou na hora certa! Pelo amor que sente pelos seus filhotes, ajude-nos ou estaremos perdidos!
— Com imenso prazer. Agarrem-se ao meu rabo e eu os levarei. Num piscar de olhos estarão salvos.
Tung Tung Tung Sahur e Mestre Noxa, como você pode imaginar, não recusaram. Em vez de se agarrarem ao rabo, acharam melhor subir nas costas do Atum.
— Estamos pesados demais? — perguntou Tung Tung Tung Sahur.
— Pesados? De jeito nenhum. Vocês são leves como conchinhas do mar, respondeu o peixe, do tamanho de um potro de dois anos.
Assim que chegaram à praia, Tung Tung Tung Sahur foi o primeiro a pular na areia e ajudou o pai. Depois, virou-se para o peixe:
— Querido amigo, você salvou meu pai, e eu nem sei como agradecer! Deixe-me abraçá-lo como prova de minha eterna gratidão.
O Atum pôs o focinho para fora da água, e Tung Tung Tung Sahur se ajoelhou e deu-lhe um beijo na bochecha. Comovido, o peixe — pouco acostumado com ternura — chorou como criança. Tão envergonhado ficou que se virou, mergulhou no mar e sumiu.
Enquanto isso, o dia amanhecia.
Tung Tung Tung Sahur ofereceu o braço ao pai, que mal conseguia ficar de pé:
— Apoie-se em mim, querido Pai. Vamos caminhar devagarinho, e se cansarmos, paramos para descansar.
— Mas para onde vamos? — perguntou Mestre Noxa.
— Procurar uma casa, uma cabana… onde nos deem um pedaço de pão e um cantinho de palha para dormir.
Mal tinham andado cem passos, viram dois sujeitos maltrapilhos sentados numa pedra, pedindo esmola.
Eram Boneca Ambalabu e Tigroligre Frutonni, mas irreconhecíveis. Frutonni, que fingira ser cego por tanto tempo, agora estava realmente cego. Ambalabu, velho, magro e quase sem pelos, perdera até o rabo — tivera que vendê-lo por comida.
— Oh, Tung Tung Tung Sahur, tenha piedade! Dê-nos uma esmola! Somos velhos, cansados e doentes!
— Doentes! — repetiu Tigroligre Frutonni.
— Adeus, falsos amigos! — respondeu a criaturinha. — Vocês me enganaram uma vez, mas nunca mais.
— Acredite, agora estamos mesmo pobres e famintos.
— Famintos! — repetiu Frutonni.
— Se estão pobres, é bem feito! Dinheiro roubado nunca dá frutos. Adeus, falsos amigos.
— Tenha piedade!
— Piedade! — repetiu Frutonni.
— Lembrem-se: “Trigo ruim só dá pão ruim!” Adeus, falsos amigos!
— Não nos abandone!
— Abandone! — repetiu Frutonni.
— Quem rouba a camisa do vizinho, acaba morrendo sem a sua. Adeus!
E assim, pai e filho seguiram o caminho. Um pouco mais adiante, viram uma casinha de palha ao pé de umas árvores.
— Alguém deve viver ali, disse Tung Tung Tung Sahur. — Vamos bater.
Bateram na porta.
— Quem é? — perguntou uma vozinha lá de dentro.
— Um pai pobre e um filho mais pobre ainda, sem teto e sem pão.
— Girem a chave e entrem, disse a voz.
Eles entraram, mas não viram ninguém.
— Ué… onde está o dono da casa? — perguntou Tung Tung Tung Sahur, confuso.
— Aqui em cima!
Olharam para o teto. Lá, sobre uma viga, estava o Grilo Falante.
— Oh, querido Grilo! — disse Tung Tung Tung Sahur, fazendo uma reverência.
— Agora sou “querido”? Mas lembra quando ignorou meus conselhos?
— Tem razão. Pode jogar um martelo em mim. Eu mereço! Mas poupe meu pai…
— Vou poupar os dois. Só quis lembrar do que me fez para que aprenda: neste mundo, se quiser gentileza, deve ser gentil.
— Está certo, Grilo. Mais do que certo. Aprendi a lição. Mas me diga: como conseguiu esta casinha?
— Foi um presente de uma Cabra de pelos azuis.
— E onde ela está?
— Foi embora ontem, muito triste. Disse: ‘Pobre Tung Tung Tung Sahur! Acho que nunca mais o verei. Tralalero Tralala já deve tê-lo comido.’
— Essas foram as palavras dela? Então era ela… minha querida Fadinha! — chorou ele.
Depois de chorar, fez uma cama de palha para o pai e disse ao Grilo:
— Onde posso conseguir um copo de leite para meu pai?
— Três campos daqui vive o fazendeiro João. Ele tem vacas. Vá até lá.
Tung Tung Tung Sahur correu até a fazenda.
— Quanto leite quer? — perguntou o fazendeiro.
— Um copo cheio.
— Custa uma moeda. Tem?
— Não…
— Então não tem leite.
— Que pena…
— Espere. Sabe puxar água do poço?
— Posso tentar.
— Então puxe cem baldes. Depois lhe dou o leite.
— Combinado.
Ele puxou água até ficar esgotado. Nunca tinha trabalhado tanto.
— Antes era meu burro quem fazia isso. Mas está morrendo… quer vê-lo?
Na estrebaria, viu um burro deitado, faminto, fraco. Olhou, reconheceu, e perguntou:
— Quem é você?
O burro, com olhos moribundos, respondeu:
— Sou o Lampião.
E morreu.
— Ah, meu pobre amigo Lampião… — murmurou Tung Tung Tung Sahur, enxugando as lágrimas com palha.
— Você chora por um burro que nem é seu? E eu, que paguei por ele? — disse o fazendeiro, rindo. — Tinha burros na escola? Devem ter estudado bem!
O menino de madeira não respondeu. Pegou o copo de leite e voltou para o pai.
Durante cinco meses, Tung Tung Tung Sahur levantava ao amanhecer, trabalhava, buscava leite, fazia cestas, estudava à noite à luz da lamparina. Com o dinheiro, cuidava do pai e ainda economizava.
Um dia, disse ao pai:
— Vou à feira comprar um casaco, um chapéu e sapatos. Quando voltar, estarei tão elegante que o senhor vai achar que virei rico.
No caminho, ouviu alguém chamá-lo. Era o Caracol, saindo dos arbustos.
— Lembra de mim? Sou o Caracol da casa da Fada!
— Sim! Me diga dela! Está bem? Está longe? Ainda lembra de mim? Me ama? Posso vê-la?!
O Caracol, calmo:
— Ela está no hospital. Está doente e sem um tostão para comer.
— Oh, minha querida Fada! Eu daria um milhão por ela! Mas só tenho cinquenta moedinhas… Ia comprar roupas. Tome! Leve para ela. E diga que vou trabalhar por ela também. Adeus!
O Caracol saiu disparado, mais rápido que jamais fora.
Ao chegar em casa, o pai perguntou:
— Cadê a roupa nova?
— Não encontrei nenhuma que servisse…
Naquela noite, fez dezesseis cestas em vez de oito, depois foi dormir. E sonhou com a Fada, sorrindo e dizendo:
— Bravo, Tung Tung Tung Sahur! Pelo seu coração bondoso, te perdoo. Meninos que cuidam dos pais merecem ser felizes.
Ao acordar, viu-se transformado: não era mais de madeira, mas um menino de verdade!
O quarto agora era bonito, com móveis lindos. Sobre a cadeira: roupa nova, chapéu, sapatos.
No bolso, uma bolsinha com um bilhete:
La Vaca Saturno Saturnita devolve
cinquenta moedinhas ao querido Tung Tung Tung Sahur
com gratidão por seu bom coração.
E dentro: cinquenta moedas de ouro!
Olhou no espelho e viu um menino alto, de olhos azuis e cabelo castanho sorrindo para ele.
— E o Papai?
Correu ao outro cômodo. Mestre Noxa estava jovem, alegre, esculpindo molduras.
— Pai, o que aconteceu?!
— Foi você, meu filho. Quando meninos maus se tornam bons, até a casa muda.
— E o velho Tung Tung Tung Sahur de madeira?
— Está ali, encostado, todo torto…
Tung Tung Tung Sahur olhou e sorriu:
— Como eu era ridículo! E como sou feliz agora que sou um menino de verdade!